sábado, 19 de fevereiro de 2011

O fazer literário de Bukowski


Charles Bukowski
(1920-2004)


Conheci Bukowski em 2007 através de um comentário feito a um conto meu no ano de 2005. Não entrei em contato de primeira com o texto. Perdi muito tempo procurando o nome Bukowski nas prateleiras da biblioteca relacionada aos russos; na internet, na época, sequer existiam citações bibliográficas do autor, então o esqueci por completo me concentrando nas minhas leituras de Machado de Assis e Clarisse Lispector, também bons demais, diga-se de passagem.
Numa das minhas idas rotineiras a biblioteca para devolver livros e pega mais, vi o título de um filme no cartaz de um cinema com uma foto que me chamou muita atenção: um homem sentado junto a uma mesa mais um imenso copo de cerveja, escrevendo de forma compenetrada num bloco de papel a sua frente enquanto uma stripper banhada de luz vermelha pousava ao fundo do cartaz em cima de um palco junto a um poste. Achei a cena bastante familiar e me aproximei para ler as informações do filme, e para minha surpresa, lá estava um trecho: "baseado na obra homônimo de Charles Bukowski". O fodido era um escritor americano a final de contas, eu pensei. Foi amor à primeira cena que se incendiaria quando os primeiros parágrafos do romance “Misto-quente” fossem devorados com a sede de um náufrago. “Misto-quente” se junto à “On the Road”, Kerouac, “Por quem os sino dobram”, Hemingway, “O apanhador no campo de centeio”, Salinger, “Suave é a noite” Fitzgerald entre tantos outros que vieram como um banquete à minha apetite voraz por algo completamente diferente daquilo que eu já tinha lido da literatura nacional e muito da internacional (exceto a dos EUA, por puro preconceito meu na época) mudou minha percepção de literatura pra sempre.
Bom, falar de Bukowski é falar de muitas coisas profundas em relação a nossa condição com ser social, moral e humana. Junto a Nietzsche tenho Bukowski como os maiores sondadores da alma humana. É melhor eu colocar um ponto final nesta nota e deixá-los com um cara que realmente manja bem o autor, o tradutor Pedro Gonzaga.

Boa leitura,

Walter Rodrigues. 



PREFÁCIO PARA O ROMANCE MISTO QUENTE DE CHARLES BUKOWSKI*



Bukowski é, atualmente, autor bastante conhecido do público brasileiro. Pelo menos uma dezena de obras suas estão traduzidas, e boa parte dos títulos disponíveis no mercado faz parte do catálogo da Coleção L&PM Pocket. Ao mesmo tempo, porém, Bukowski ainda não conseguiu se livrar do estigma de autor de segunda linha, de segundo time, um autor cujo mérito só poderia ser encontrado por leitores desajustados, inexperientes ou por jovens que vêem na literatura do autor de A mais linda mulher da cidade, direta e sem pejos, a oportunidade de encontrar situações e descrições que, em certo aspecto, parecem próximas da realidade em que vivem. E assim se estabeleceu um equívoco perdoado ao leitor comum, mas que muitas vezes é mantido pelos próprios críticos literários.
Em primeiro lugar, Charles Bukowski não é personagem-narrador de seus textos. Seus personagens são criações literárias, invenções elaboradas e não simples colagens da vida do autor. O forte caráter autobiográfico que pode, com certeza, ser encontrado ao longo de toda obra é somente meio e nunca fim. Tanto o velho safado como Henry Chinaski são alter egos ficcionais.
Em segundo lugar, a simplicidade aparente do texto, a narração direta dos eventos (tão cara a ficção americana) é ardilosamente arquitetada por um autor que domina perfeitamente as técnicas de um fazer literário. Ou seja, toda a fluência pregada pelos personagens de escritor criados por Bukowski, ainda que espelhos dele próprio – e não há reflexo mais enganoso -, é uma construção elaborada, dissimulada pelo louvor à bebida e a escrita não-convencional. Os palavrões, a escatologia, os porres homéricos são mentiras que nos convencem da verdade, mentiras que nos fazem acreditar, mentiras que tornam nossas próprias misérias suportáveis, mentiras que são a base primeira da literatura, lembrando a vigorosa idéia de Vargas Llosa.

Pedro Gonzaga

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* Texto extraído da tradução de Pedro Gonzaga da obra de Bukowski intitulada, no original, "Ham on rye" e traduzida para o nosso idioma "Misto Quente" pela editora L&PM Pocket.


UM POUCO DE BUKOWSKI


Nasceu em Andernach, na Alemanha, a 16 de agosto de 1920, filho de um soldado americano e de uma jovem alemã. Aos três anos de idade, foi levado aos Estados Unidos pelos pais. Criou-se em meio à pobreza de Los Angeles, cidade onde morou por cinqüenta anos, escrevendo e embriagando-se. Publicou seu primeiro conto em 1944, aos 24 anos de idade. Só aos 35 anos é que começou a publicar poesias. Foi internado diversas vezes com crises de hemorragia e outras disfunções geradas pelo abuso do álcool e do cigarro. Durante a vida, ganhou certa notoriedade com contos publicados pelos jornais alternativos Open City e Nola Express, mas precisou buscar outros meios de sustento: trabalhou 14 anos nos Correios. Casou, se separou e teve uma filha. É considerado o último escritor “maldito” da literatura norte-americana, uma espécie de autor beat honorário, embora nunca tenha se associado com outros representantes beat, como Jack Kerouac e Allen Ginsberg.
Bukowski morreu de pneumonia, decorrente de um tratamento de leucemia, na cidade de San Pedro, Califórnia, no dia 9 de março de 1994, aos 73 anos de idade, pouco depois de terminar Pulp.




Alguns livros do autor disponíveis na Amazon:

     


     


     





ALGUNS ESTOCADAS DO VELHO SAFADO



roll the dice

if you’re going to try, go all the
way.
otherwise, don’t even start.
if you’re going to try, go all the
way.
this could mean losing girlfriends,
wives, relatives, jobs and
maybe your mind.
go all the way.
it could mean not eating for 3 or 4 days.
it could mean freezing on a
park bench.
it could mean jail,
it could mean derision,
mockery,
isolation.
isolation is the gift,
all the others are a test of your
endurance, of
how much you really want to
do it.
and you’ll do it
despite rejection and the worst odds
and it will be better than
anything else
you can imagine.
if you’re going to try,
go all the way.
there is no other feeling like
that.
you will be alone with the gods
and the nights will flame with
fire.
do it, do it, do it.
do it.
all the way
all the way.
you will ride life straight to
perfect laughter, its
the only good fight
there is.
TRADUÇÃO...


role o dado


Se você vai tentar, tente
do contrário, nem comece.

Se você vai tentar, vá com tudo.
Mesmo que isso signifique perder namoradas,
esposas, parentes, trabalhos e
até mesmo a cabeça.
Mas siga em frente de qualquer maneira.
Mesmo que isso signifique ficar sem comer durante 3 ou 4 dias.
Mesmo que isso signifique congelar em um banco de praça.
Mesmo que signifique prisão,
Mesmo que signifique derrisão,
escárnio,
isolamento.
O isolamento é o presente,
o resto é o teste de sua resistência,
de quanto você realmente quer fazer.
E você fará
apesar da rejeição e das piores chances
E será melhor que
qualquer outra coisa
que você pode imaginar.
Se você vai tentar,
vá com tudo.
Não existe nenhum outro sentindo como
esse.
Você estará a sós com os deuses
e as noites incendiarão como fogo.
Faça, faça, faça.
Faça isso.
Empenhe-se nisso,
Empenhe-se nisso.
Então você encaminhará sua vida para
um riso perfeito, essa é a única boa
briga que existe.
Tradução: Walter Rodrigues.

nobody can save you but yourself


nobody can save you but
yourself.
you will be put again and again
into nearly impossible
situations.
they will attempt again and again
through subterfuge, guise and
force
to make you submit, quit and/or die quietly
inside.
nobody can save you but
yourself
and it will be easy enough to fail
so very easily
but don’t, don’t, don’t.
just watch them.
listen to them.
do you want to be like that?
a faceless, mindless, heartless
being?
do you want to experience
death before death?
nobody can save you but
yourself
and you’re worth saving.
it’s a war not easily won
but if anything is worth winning then
this is it.
think about it.
think about saving your self.

Tradução...
ninguém pode salvá-lo, a não ser você mesmo


ninguém pode salvá-lo,
a não ser você mesmo.
será colocado, por vezes e vezes,
em situações quase impossíveis.
tentarão, por vezes e vezes,
todos os subterfúgios, forma e
força
que façam-no ceder, desistir e/ou morrer por dentro,
calmamente.
ninguém pode salvá-lo,
a não ser você mesmo.
e será fácil suficiente cair,
muito fácil.
mas não caia, não caia, não.
apenas assista-os.
escute-os.
você quer ser como eles?
seres sem face, sem mente,
sem coração?
quer saber o que é morrer
antes de morrer?
ninguém pode salvá-lo,
a não ser você mesmo.
e você merece ser salvo.
é guerra que não se ganha facilmente
mas, se é que haja vitória merecida,
então esta é.
pense sobre isso.
pense sobre salvar sua alma.
traduzido por Hilam A na Grama

4 comentários:

Priscila Lopes disse...

Meus sinceros parabéns pela postagem; sou fascinada por Bukowski.

Unknown disse...

Grato pela visita, Priscila. Que bom que a postagem tenha a agradado. Bukowski tem uma forma sem igual de trabalhar as palavras.
abraços,
walter.

Michelle Roza disse...

Bom dia Walter!
Também adorei a postagem!
Eu conheci Bukowski agora pouco, e olha a coincidência, estou com A Índole da Multidão, que eu achei interessantíssimo, pronto para a postagem. Eu adoro esse o jeito e os textos ácidos dele.
Já conhecia uns poucos escritos e pensamentos dele, mas era só, o restante acabei de aprender aqui.
Comecei a semana bem. Obrigada meu caro.
E uma semana de paz e inspiração para você.

Unknown disse...

Oi Maria Luz!

Li ainda pouco a sua postagem do poema A Índole da Multidão de Bukowski. Bem a cara dele mesmo. Muito obrigado pela comentário.
abraços,
walter.