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sábado, 20 de outubro de 2018

Conheça a Editora Itacaiúnas



A Editora Itacaiúnas, fundada no ano de 2014, é voltada principalmente para publicação de livros, prestação de serviços editoriais e gráficos. Nosso foco editorial prioriza publicações de autores que tenham como base teórica uma abordagem interdisciplinar, voltada para as questões das áreas das ciências humanas, tecnológicas e ambientais. 
Missão
Prestar serviços e oferecer produtos destinados a atender às demandas de seus clientes com qualidade, comprometimento, respeito, confiabilidade e agilidade para sanar dúvidas. Além de promover eventos que valorizem a cultura e a arte nacional através de seletivas e concursos para compor a publicação de títulos inéditos.
VisãoSer uma opção viável, inovadora e acessível a todas as pessoas que desejam publicar, divulgar e comercializar os seus trabalhos acadêmicos, literários, técnicos e etc com suporte impresso e/ou virtual.
ValoresCompromisso, ética, dedicação, confiabilidade, inovação e respeito.
Conselho editorial
Contamos com Conselho Editorial formado por doutores e mestres atuantes em diferentes Instituições de Ensino Superior do Brasil e do mundo.
Sobre a palavra/ nome itacaiúnas
Itacaiúnas é um rio brasileiro, que nasce no estado do Pará na Serra da Seringa no município de Água Azul do Norte, e é formado pela junção de dois rios, o Rio da Água Preta e o Rio Azul. Desemboca na margem esquerda do Rio Tocantins, na sede da cidade de Marabá.


Para conhecer nosso trabalho basta acessar:
http://www.editoraitacaiunas.com.br


sexta-feira, 1 de abril de 2016

Era mais uma daquelas tarde de chuva na cidade



Era mais uma daquelas tardes de chuva na cidade. O trânsito intenso e lento fazia com que as horas em contra gotas passassem. Tudo era uma mescla de apatia e resignação. Os ônibus passando lotado para os municípios de entorno a Belém. Seguíamos para Ananindeua, Marituba, Santa Bárbara, Benevides, Benfica... Era assim cotidianamente na Região Metropolitana de Belém. Um vai-e-vem enfadonho e banalizado.  Restava-nos olhar pela janela ou nos espremermos entre bundas, pernas e sovacos fedorentos nos ônibus lotados e abafados.  O olhar das pessoas era um deserto profundo de solidão, cansaço e conformidade. Havia apenas um desejo latente: chegar em casa.
Foi quando um senhor de meia idade sentou-se ao meu lado. Eu havia conseguido a sorte grande de pegar um ônibus quase vazio.
- Vou sentar aqui do seu lado, mas não vou incomodar seus estudos – falou-me o senhor sentando-se e arrumando suas sacolas de compras entre suas pernas.
Assenti com a cabeça e continuei rabiscando um texto que jamais conseguiria finalizar ali.
- Posso te fazer uma pergunta? – virou-se para o meu lado o senhor com gestos imperativos.
Novamente assenti com a cabeça e tentei batalhar mais algumas palavras no meu caderno de anotação.
- Acho isso que está acontecendo muito injusto! – enfatizava ele com profundo sentimento na entonação de sua voz arrastada. Ali comecei acreditar que aquele autêntico senhor estava um tanto quanto embriagado.  
Fechei meu caderno e olhei para ele com profunda compaixão e interesse na sua dor pessoal. Eu ainda continuava a ser uma maldita esponja de sentimentos alheios.
- Depois de tudo que o presidente Lula fez e toda essa coisa que tão falando dele ai. Não é justo. Minha filha vai se forma em Geologia esse ano e viajou pra fora do país graças ao governo dele. Nunca um filho de pobre teve essa chance que teve agora... Não é justo!
Ele realmente estava muito abalado com o cenário político do Brasil naquele momento. E tinha na figura do governo algo bastante positivo, paternalista e sua insatisfação era muito grande.
- Eu sou operário, ganho menos de um salário por mês – continuou ele agora aos berros – e mesmo assim minha filha vai se forma! O Fernando Henrique que é estudado não é chamado pra dar palestras na Europa, mas o Lula que é um quase analfabeto é convidado pelas melhores universidades do mundo pra falar. Isso que é a raiva deles! Isso que eles não engolem!
A situação era bastante inusitada. Meu caderno já estava fechado fazia alguns minutos. Eu sabia que ele não pararia de falar.
Apanhar esses ônibus que vem da Universidade Federal é bastante complicado. As pessoas pensam que porque estamos com o caderno aberto ou com um livro aberto ou com mochila somos um acadêmico de merda.  E o pior é quando passamos a viagem inteira ouvindo estudantes empolgados a falar rasteiramente o que leram em suas apostilas tiradas na cópia como se fossem coisas mais importantes do mundo e fruto de um intenso estudo sobre.
- Qual é o seu nome, rapaz – perguntou-me ele.
No que eu rapidamente respondi: - Álvares, senhor...
- Pois bem, Álvares. Você não concorda comigo? – fuzilou-me ele com essa pergunta e com o seu olhar bastante vidrado e cheio de certezas absolutas sobre o que falava.
Apenas olhei para ele e baixei a cabeça. Eu odiava todo o sistema político nacional e acreditava que somente uma radical estruturação desse sistema de governar poderia de fato dar em alguma mudança. Mas naquele momento eu só queria escrever sobre a lógica realista descritas pelas putas do centro da cidade de Belém e sobre a calmaria que é beber uma gelada às margens da Baía do Guajará na orla do Ver-o-Peso às 5:30 horas da tarde.
- Você nem parece que é da Universidade! – esbravejou ele – Não sabe discuti política! Qual é o seu problema, rapaz? Que olhar triste é esse? Você não é um derrotado.
- Acho que eu não estou em uma competição. Eu não busco ganhar algo, ser um vencedor na vida. Deixo isso para os outros. O senhor não acha que tem gente demais querendo vencer na vida?
- Você faz que curso na Universidade?
- Nenhum. Não confio no conhecimento universitário. Pois tudo que forma, forma alguma coisa num molde. Definir o que as pessoas são é nojento, injusto e imoral. Eu me recuso ser rotulado como produto e vendido no mercado de trabalho como peça para alavancar todo esse sistema podre que estamos vivendo hoje.
- Você não diz coisa com coisa. Eu até que tava meio que porre, mas já até fiquei bom. Você, Álvares, precisa de umas boas doses de cachaça e principalmente de uma boa trepada com uma boa boceta. Vou descer aqui antes que eu dei um pau nessa tua cara de lua cheia, seu doido.

E assim aquele nobre senhor desceu o coletivo sem olhar pra trás. Suas palavras finais mexeram comigo e eu só pensava seriamente que talvez eu estivesse realmente precisando de uma boa trepada...

(Walter Rodrigues)

sexta-feira, 11 de dezembro de 2015

Crônica de uma tarde sóbria

Falávamos de nossas aventuras memoráveis, de porres homéricos, das inúmeras vezes em que vimos a cara da morte e de quanto ela era viva.
Falávamos também das incontáveis vezes que íamos procurar empregos. De como era foda a vida de trabalhador assalariado.
Ríamos bastante de cada lembranças nostálgicas que eram nossas aventuras quixotescas. Enquanto a garrafa de refrigerante ia pelo final.

Victor então falou-me:

- Foram tempos inesquecíveis que nunca mais vão voltar...

Enquanto ouvia eu enxugava as lágrimas dos risos, olhando os raios de sol sumindo por detrás das nuvens daquele final de tarde sóbria.

segunda-feira, 11 de agosto de 2014

CRÔNICA DE UMA TARDE CHUVOSA



Então ele foi atender o telefonema.  Era a mulher que ele estava já fazia alguns anos. Se ele a amava? Na verdade era difícil acreditar. O que ele esperava dela?  Alguma coisa que ela demonstrasse que lhe fazia falta. Daniel não sabia onde ele estava. E ele queria que alguma boceta com cérebro lhe encontrasse. Ela jamais saberia onde ele estava... Ele estava perdido onde ele não saberia. Os recônditos da alma é algo difícil de sondar. Pois não há mar, não há desertos infinitos e universos idem que nos levem a total compreensão da personalidade humana. 
Uma boceta com cérebro nos faz repensar todo um projeto de vida.  Daniel havia conhecido umas bocetas dessas. Onde ir em situações semelhantes? Um namoro malfadado jamais dará conta disso. Para onde ir e o que fazer? O desespero se instala...
Nem a máquina de escrever com sua presença ilustre ao abrir da porta jamais resumirá o outono desses dias sem sol.
Beethoven com seus dó, ré, mi, fá, só, lá, si jamais reproduzirá a sinfonia de todo um dia como esse...
- Álvares as coisas andam meio fora do lugar – falou-me Daniel com um tom zombeteiro.
- Elas costumam andar sempre assim... – respondi muito calmamente.
- Tu não bebeste todo o vinho, né?
- Ainda tem aqui.
- Acho que vamos precisar de um pouco mais.
- É fato.

E assim avançamos pelas ruas daquele município onde agora eu estava morando. Zona Metropolitana da cidade de Belém. Foda-se! Tudo parecia tão e infinitamente distante do nosso bairro de origem, o Jurunas. Tudo aquilo parecia uma prolongada piada de muito mal gosto. Mas precisávamos tomar umas pela ordem social vigente, pelas crianças que morriam de fome na África, pelo Messias aguardado pelos cristões e judeus, por toda merda que está no início do reto aguardando para se liberta fossa abaixo! A vida era muito gozada. Vivia fodendo e gozando de tudo e de todos. Queria ser uma foda menos fodida às vezes. Mas sempre a maldita acabava gozando de mim. O que Daniel estava querendo naquela noite? Bancar o comedor e inflar mais e mais seu maldito superego? Haveria bebida? Haveria saída? As músicas em espanhol continuavam a tocar eternamente...

(Walter Rodrigues)

quinta-feira, 1 de agosto de 2013

NAQUELE BAR, NAQUELA NOITE DE NATAL

 

Passava um pouco mais da meia-noite e a madrugada escorria lentamente e todos os bares da cidade jaziam fechados. Pelo menos era o que aparentava. Talvez por ser Natal, 25 de dezembro de 2007. Início de terça-feira. E certamente, muitos estariam naquele momento reunido com seus familiares bebendo horrores e trocando presentes com abraços, em sua maioria, falsos e sorrisos idem.
Enquanto isso, Eduardo e Silvio vagavam pelas ruas solitárias à procura de um bar que naquele horário da madrugada estivesse aberto para atender suas almas sedentas de cerveja e música; vida e cor, mas não havia nenhum bar aberto. Não, não desistiriam tão facilmente assim. Continuaram vagando calados e absortos. Relembrando vez ou outra algum fato do passado, mas que ainda soava tão alto em suas vidas: um amor frustrado, uma oportunidade perdida.
E o vinho com as três cervejas que tomaram anteriormente na casa de um amigo começava a abandonar seus corpos. Estavam ficando sóbrios e nenhum bar surgia no horizonte.
No entanto, como todos devem saber: Papai Noel não se esquece de ninguém. Surgi então, como um oásis em meio ao deserto, um belo e agradável bar de mesas de madeira, postas nas calçadas, música de alta qualidade, pessoas bonitas e inteligentes. No menu, bebidas de todos os gêneros. Iluminação febril e uma noite não tão mais hostil.
E assim seguiram bebendo suas cervejas sem que nada de extraordinário acontecesse. Calados e voltados para dentro de si. Por fora pareciam sérios e frios; por dentro eram vulcões em atividade.
Seja como for, a manhã surgiu timidamente por detrás dos edifícios da Avenida 16 de novembro. A mistura de vinho e cerveja, não caiu muito bem a Silvio, que dormia sentado. Eduardo também já tinha dado umas cochiladas anteriormente. Na mesa vizinha pediu-se a conta. Vão-se abraçado um casal de jovens homossexuais, que se beijavam ainda pouco calorosamente.
Eduardo olhou para aquele seu amigo de infância adormecido: a cabeça um pouco inclinada para trás deixando sua boca entreaberta de onde escorria uma fina e prolongada baba do canto esquerdo avançando em direção ao pescoço. Eduardo então pensou no futuro que ainda viria para ambos. E ele não via absolutamente nada de interessante.
Era como se não houvesse saída, um lugar realmente seguro e livre de tudo aquilo que os oprimia e os deprimia. Aquela cidade com aquelas pessoas parecia uma jaula por demais apertada. Era difícil olhar naquelas faces diariamente, pior ainda era ouvir seus pensamentos e suas ideias sobre isso e aquilo outro. Talvez o caminho fosse mudar de cidade, de estado, de país; talvez o caminho fosse mudar de planeta. Eduardo não queria ser um homossexual. Mas ele também não queria um casamento convencional, com filhos e tudo mais. Eduardo não queria ser um universitário e muito menos um assalariado explorado e humilhado. Ele ainda não sabia de porra nenhuma, mas sabia das coisas que ele não poderia fazer, muito embora seu amigo e ele fossem obrigados a fazê-las num futuro bastante próximo. As redes de supermercados da cidade tentariam domar a ambos com seus chicotes poderosos. Silvio se curvaria aos açoites das redes de supermercados por um tempo maior; já Eduardo, acabaria curvado diante de uma universidade infestada de pseudo-intelectuais de merda por um longo tempo.  Isso era desesperador. Não era à toa o motivo de tantos suicídios em nossa sociedade.
Eram agora somente Silvio e Eduardo naquele bar mitológico. A garçonete informa que já iria fechar.
- Ok, minha querida – diz Eduardo muito gentilmente. – Mas você não pode servir só mais uma?
- Não – diz ela guardando as mesas e cadeiras. - Temos que fechar mesmo, meu amor.
- Tudo bem – respondeu ele acordando seu amigo.
- O que foi, Eduardo? – despertou Silvio com os olhos arregalados e assustados. – Que porra, Eduardo! Não tem mais cerveja nesta garrafa! Eu preciso de um gole…
Ainda havia meio copo de cerveja. Silvio bebeu de uma só golada como tinha de ser. Depois pediram a conta, levantaram pesados e desceram a 16 de novembro até a Praça Amazonas. Dali cada um deveria seguir individualmente seu caminho até suas casas.

Despediram-se logo em seguida. Cada um rumou para sua caverna. Cambaleando, em ziguezague pelas ruas. Dormir até meio-dia ou mais enquanto o futuro não chegava valendo.

(Texto e foto: Walter Rodrigues)

quarta-feira, 24 de outubro de 2012

Por uma visão holística


Fazendo minha estreia como colaborador do Versos Rascunhos, posto este texto de 2008. Será um prazer doravante contribuir com a construção deste blog.           

                                                                                                                                                                                            Daniel Sombra


            O Brasil foi a última nação do planeta a abolir a escravidão negra, o que só ocorreu devido à extrema pressão dos ingleses, ansiosos pela expansão do recém-criado mercado consumidor brasileiro. As conseqüências dos quatrocentos anos escravocratas, embora camuflados, ainda estão presentes no cotidiano nacional.
            Nossa nação, devido à colonização, possui uma raiz multi-racial, todos nós sabemos. Nem todos sabem, porém, que a população negra do Brasil é a segunda maior do planeta – perdendo em termos percentuais apenas para a Nigéria, e vencendo todas em termos absolutos. Contrastando com esta realidade, os negros são rotineiramente chamados de “minoria” no contexto nacional. Em números absolutos essa expressão é equivocada, pois eles são majoritários. Entretanto, na participação efetiva da vida política, econômica e social do país, eles, de fato, são minoritários.
            O preconceito não é exatamente a razão disto. Este problema, na verdade, começou com os ex-escravos excluídos da sociedade capitalista, cujos filhos também não foram inseridos na estrutura do sistema, repassando o caos social para as gerações posteriores. O fato é que na mentalidade da elite urbano-industrial, e, por conseguinte, das massas alienadas, o preconceito racial e alguns outros persistem guardados de modo passivo. Mas, uma vez estimulados, provocam explosões de fúria.
            Tais explosões manifestam-se em qualquer situação cotidiana, como em uma disputa por uma vaga no mercado de trabalho, por exemplo. O negro que conquista uma vaga é tratado como alguém que usurpou o lugar de um branco – ainda que brancos legítimos sejam raros no Brasil – e, fatalmente, ouvirá ofensas racistas. São ações pequenas, como piadas nos colégios ou em humorísticos televisivos, que continuam alimentando não só o racismo, mas também o machismo, o homofobismo e o preconceito regional.
            Os diversos preconceitos, as mazelas sociais, os conflitos étnicos e a destruição do meio ambiente são fatos presentes e interligados. Avançamos muito em relação ao século passado – tanto o Brasil, como o mundo – mas estamos longe de uma sociedade harmônica que respeite os contrastes naturais de cada pessoa, pois a nossa lógica de pensamento ainda é lucrar com a segregação e a destruição. É necessária, portanto, uma visão holística sobre a humanidade e o planeta, que é conseqüente de um primoroso sistema educacional, para que enfim possamos conviver em paz com nossas diferenças.

(Originalmente publicado em 27/08/2008).

terça-feira, 16 de outubro de 2012

Marilia estava naquele aniversário...




Ela estava naquele aniversário. Com aquela sua linda face de expressões suaves e fortes. Ela estava vestindo seus curtos trajes apertados. Ela já não estava na sua forma magra de ser. Mas continuava muito gostosa. Sua bunda era enorme e seus seios volumosos, no entanto, seus olhos tão negros estavam tão tristes naquela noite nublada que me senti como apanhado pelo uma irresistível vontade de tê-la em meus braços, para possuí-la como sua alma estava necessitando. Seu nome era Marilia.
- Álvares! Pensei que tu não viesses para o aniversário do teu tio – falou-me ela dirigindo-se até onde eu estava sentado mais meu amigo Daniel e meu tio João.
- Oi, Marilia – respondi levantando-me de minha cadeira, dando um lindo gole na minha cerveja que estava no copo e a envolvendo em um forte abraço para muito além de caloroso. – Saudades de ti, minha querida.
Na noite anterior, Marilia havia levado uma bela surra de seu marido, que era sargento da polícia quando este soube de alguns casos envolvendo sua mulher em relações sexuais com amigos de seus amigos. Isso deu a maior merda e Marilia ainda tentou se justificar, mas quanto mais ela falava mais seu marido se enfurecia e a enchia de porrada. Seus dois filhos, uma menina de oito e um menino de dez, assistiam todo o quebra-pau assustados, porém aquela rotina já lhes eram estranhamente familiar. E agora eles estavam separados. Marilia estava sofrendo, e muito revoltada ficou quando uma grande amiga sua pediu para ela ir denunciar o sargento para a justiça. Até parece que ela teria coragem de fazer uma palhaçada dessas com o pai de seus filhos “que nem estava em seu juízo perfeito”.  Afirmou-me ela depois. E claro que eu concordei com ela.
- Você parece tão triste, Marilia – reparei – Por que você está tão triste?
- Me separei do Nelsão, o meu marido... – respondeu-me ela.
- Uma pena...
- Pois é... mas não quero ficar pensando nisso agora, Álvares. O que passou-passou. Por isso vim pra esse aniversário, pra esquecer aquele filho-da-puta.
E assim a noite seguiu em frente, como sempre acontece.  Marilia estava bebendo demais e as cervejas logo se esgotaram. Daniel havia sido apresentado para uma amiga de Marilia e estava a ponto de se mandar com a garota quando resolvemos comprar mais uma grade de cervejas. Todos ficaram muitos felizes e bebemos e bebemos até ficarmos embriagados. Meus abraços logo viraram beijos calorosos e minhas mãos exploravam toda a extensão daquele corpo. Foi quando tio João me chamou de canto:
- Já estou querendo dormir, Álvares – falou-me ao ouvido. – Leva a Marilia para a tua casa.
- Tudo bem – eu disse.
E assim, deixamos o aniversário de tio João. Éramos um grupo de quatro.
A noite foi intensa, ainda tomamos mais algumas cervejas antes de eu levar Marilia para minha cama e Daniel levar Isadora para o surrado sofá da minha minúscula sala. Marilia sabia como tocar em um homem. E transamos durante a noite toda. Seu corpo, estava com alguns hematomas, resultados da briga com seu marido. Seus olhos negros e tão vivos estavam roxos ao redor, e seu rosto estava levemente enxado. Ela estava dramaticamente linda. E ela me olhava dentro dos olhos e acariciava-me rosto. Logo depois, o sol subiu e Marilia precisava ir embora, pois havia deixado seus dois filhos na casa de sua mãe.
- Até mais, Álvares – falou-me Marilia a se despedi a porta de casa.
- Até mais, Marilia – respondi.
- Vamos Isadora? – chamou Marilia.
- Até outro dia, Daniel – falou Isadora.
          - Até outro dia, Isadora – respondeu o outro.

Ainda havia três cervejas na geladeira. Abrimos uma, enchemos os copos e bebemos.
(Walter Rodrigues)

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Imagem: oléo em tela. Miró
Originalmente publicado no blog Cachaça na Xícara

quinta-feira, 3 de maio de 2012

Última etapa do projeto livro de memórias de São João da Ponta a partir de narrativas orais: textos adaptados das histórias orais voltam para seus autores para aprovação e 4º momento de entrevistas

Como ja postei aqui em Versos Rascunhos estou responsável pela redação e organização de um livro sobre as memórias do município paraense de São João da Ponta. Nesta postagem, descrevo uma síntese da última etapa desses trabalhos de campo realizados durante os anos de 2011 e 2012 nas comunidades do muncípio. O balanço dessas experiências foram muito positivo para este trabalho. Tirando o acidente que não estava nos planos e, que de certa forma, atrapalhou o desenvolvimento do trabalho. Mais sobre isso vocês lerão no corpo desta postagem. Agora, é ajustar alguns detalhes e partir para publicação. 

4º Momento de entrevista – Lázaro Palheta (Deolândia)


No final da tarde desse dia, sentamos junto à mesa da cozinha, seu Lázaro e eu, para darmos início ao 4º momento de entrevistas para o livro de memórias de São João da Ponta a partir de narrativas orais. Seu Lázaro me contou a respeito de sua vivência como pescador, caranguejeiro, coletor de malva, casca de mangue, comissário de polícia em Deolândia entre outras experiências de vida como morador do município e, mais particularmente da comunidade da Deolândia. Enquanto a conversa fluía, tomávamos um gostoso café com bolachas preparado pela jovem Rosa, filha de seu Lázaro.

22/04/2012 - RESULTADOS DAS ENTREVISTAS ORAIS TRANSCRITAS E ADAPTADAS PARA A LINGUAGEM ESCRITA PARA A ANÁLISE DOS ENTREVISTADOS 
  • Pedalando até São Francisco



Após uma boa noite de sono, acordamos por volta das 7 horas da manhã. Seu Lázaro estava ajeitando a bicicleta para me acompanhar até a comunidade  de São Francisco, que fica aproximadamente 3 quilômetros de Deolândia por um caminho cercado de pastos e mata de várzea. Em alguns trechos precisávamos carregar as bicicletas para atravessarmos córregos de transparentes águas que cortavam o caminho.


Finalmente chegamos na comunidade de São Francisco e seguimos até a casa de seu Lázaro Favacho da Costa, conhecido como Lazinho. Ali apresentamos o resultado das entrevistas orais transcritas e adaptadas para a linguagem escrita para a análise dos entrevistados. Depois da leitura dos originais, foi assinado um termo de autorização declarando que o narrador recebeu o conteúdo de suas entrevistas em formato de texto adaptado a partir das suas narrativas orais, e que por estar ciente do conteúdo e da posterior publicação do material, autoriza a utilização do conteúdo em formato impresso.
Depois seguimos para casa de seu Vitor Almeida. Explicamos mais um pouco a respeito do trabalho e apresentamos o material resultante de sua entrevista. Li alguns trechos junto com seu Vitor e ele me orientou nas minhas falhas referentes a audição das gravações que se refletiram no texto escrito. Passamos mais de uma hora corrigindo os versos do cordão da Cutia até ficar tudo nos conformes.


Então seguimos pelo mesmo caminho, seu Lázaro e eu. O sol já não estava mais tão amistoso e o cansaço e o calor sufocavam um pouco. Mas tudo bem, as pernas ainda conseguiam impulsionar os pedais. Passamos na frente do cemitério da Deolândia e finalmente ganhamos as ruas da comunidade.

  • Os resultados das narrativas orais analisadas pela narradora Tia Babita em Deolândia



Ainda faltava falar com Tia Babita. Segui até sua casa, mas ela não estava lá. Estava na casa de seu filho. Ali mesmo tirei a pasta da garupa da bicicleta e mostrei e expliquei para ela o que resultou a entrevista que ela nos deu no ano anterior e o que faríamos com aquele material se ela estivesse de acordo. Lemos cada frase do que foi repassado por Tia Babita e ela assinou a declaração sem dúvidas algumas.
Agora minha meta estava voltada para a comunidade Sede e a comunidade do Açú. E assim, almoço antes de me arrumar para sair. Uma galinha caipira deliciosa preparada pela esposa e filha de seu Lázaro.
Durmo um pouco...  Acordo depois de uma hora e meia. Despeço-me e agradeço pelo apoio e pela atenção dada por aquela família tão acolhedora e gentil.
Uma moto taxi me leva de volta para comunidade Sede.

  • Alcides Chagas e João Palheta entram em contato com os resultados de suas narrativas orais



Na comunidade Sede, vou até a casa de seu Alcides Chagas, o seu Siribóia e o encontro na frente de sua casa sentando numa cadeira, trabalhando num cesto. Explico o motivo da minha visita e pergunto se ele se lembra de mim e da entrevista que eu fiz com ele. Ele responde afirmativo. Sua esposa, dona Maria, chega logo em seguida. Mostro para ambos o resultado das transcrições das entrevistas e o texto referente a narrativa oral de seu Siribóia. Explico sobre a autorização a ser assinada. 


Depois, dona Maria mostra algumas panelas e bacias feitas de barro por sua mãe. Dizendo que nos tempos antigos era assim que se cozinhava.



Sigo para casa de seu João Palheta, o seu João Timbica, e converso com ele, explicando o trabalho e o motivo daquela volta. Ele recorda e sua filha comenta: “Ele sempre fala dessa entrevista dizendo que o senhor ia voltar”. E eu voltei e trouxe o material resultante daquela entrevista realizada há pouco mais de oito meses.


  • Complementando a entrevista do ano passado com dona Márcia Matos Almeida, a dona Marcinha


Continuo caminhando pelas ruas da Sede Municipal a procurar dos autores daquelas narrativas orais. E, passando na frente da casa de dona Márcia Almeida, dona Marcinha, eu a encontro sentada na varanda de sua casa, com o olhar perdido na rua. Eram por volta de cinco e meia da tarde. Eu a saudei e depois conversamos sobre o andamento do trabalho de memórias de São João da Ponta. Mostrei os textos adaptados e aproveitei para fazer mais uma entrevista complementar com ela a respeito dos cordões de pássaros, animais, danças, folias e bois-bumbás. 

23/04/2012 – UM ACIDENTE NA ESTRADA ATRAVANCA O TRABALHO 

O planejamento para o dia de hoje seria realizar entrevistas nas comunidades Sede, Jacarequara e Monte Alegre, conhecida também como Quatro Bocas. E  ainda tentar levar os textos adaptados das entrevistas orais para os narradores da comunidade do Açú para que os mesmos pudessem entrar em contato com os resultados de suas entrevistas.
No entanto, ao me deslocar da Sede para o Açú, sofri um pequeno acidente no trecho da PA 375 próximo ao ramal da entrada do Jacarequara. Uma colisão frontal com uma moto vindo ao sentido oposto ao meu.
O acidente deixou as rodas e a frente da bicicleta, toda destruída; já com relação à moto: a mesma ficou com um farol quebrado, devido ao impacto do meu joelho direito, e mais um retrovisor estraçalhado ao entrar em contato com a parte inferior da minha costela esquerda. Enquanto esse breve e eterno momento durava, os meus óculos voavam para longe da minha cabeça, devido meu maxilar inferior (queixo) colidir bruscamente com a direção da moto.
Todos esses danos foram causados antes de meu corpo, que voava com a leveza de uma pena, repousar na estrada, com a leveza de um elefante, enquanto eu observava a moto que freava mais adiante, torcendo para que minhas pernas, braços ainda estivessem inteiros. Por sorte, os ossos estavam todos no lugar.
Passei mais 30 minutos na beira da estrada esperando algum moto taxi aparecer. Uma vez que conhecido algum passava e muito menos bons-samaritanos. Depois um moto taxi apareceu. Fiz sinal. Coloquei o resto da bicicleta de seu João Lima no colo, ajuntei minha mochila e minha sacola e partimos pela estrada.
Chegamos na comunidade do Açú, por fim. Mas eu não estava em condições físicas e nem psicológicas para continuar o trabalho ali. Eu precisava voltar pra casa. E assim fiz, seguindo com meu moto taxista até o KM 39, de lá pegando uma van até Castanhal, depois outra van até Belém, onde eu teria que pegar mais uma van até a minha casa. O trabalho dava-se por encerrado naquele 4º Momento de Entrevistas para o livro de memórias de São João da Ponta a partir de narrativas orais.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O balanço dessa experiência foi muito positivo para este trabalho. Tirando o acidente que não estava nos planos e, que de certa forma, atrapalhou o desenvolvimento do trabalho. No entanto, a cada senhor e senhora que retorno após minhas entrevistas aqui em São João da Ponta, eu sinto que cada momento, duro e áspero que passei ouvindo todas aquelas gravações orais e as adaptando para texto escrito, foram de um valor inestimável. Pois, o respeito pelas memórias e pela valorização dos conhecimentos dessas pessoas deveria ser a meta primordial de todos aqueles que se valem da colaboração dos conhecimentos de seus entrevistados para compor seus projetos. Esses dias aqui, em que pude retornar os resultados das transcrições das gravações coletadas no ano passado (2011), me encheram de motivação e de emoção ao notar nessas pessoas o respeito, a satisfação e agradecimento em poderem entrar em contato com os resultados de suas entrevistas. Nossa, acho que nunca voltarei a me sentir tão respeitado como me sinto nesses dias... Pois, como diria Alessandro Portteli (2005): "Não sabia nada, um pouco me ensinaram, aprendi indiretamente e aprendi diretamente e saí transformado". 
Obrigado, por serem meus mestres e me permitirem aprender com vocês, senhores e senhoras de São João da Ponta - PA!