domingo, 18 de julho de 2010

POR UMA MUDANÇA DE PARADIGMAS SOBRE A IMAGEM DO ÍNDIO



Pesquisando artigos científicos pela Google eu encontrei uma monografia muito interessante intitulada: “Revolta de Alto Alegre: devoção e dor no sertão maranhense”. Monografia apresentada ao Curso de Geografia da Universidade Estadual do Maranhão/ Centro de Estudos Superiores de Imperatriz UEMA/CESI, para obtenção do grau de Licenciatura Plena em Geografia pelos discentes Luís Pereira Santiago e Maria do Perpétuo Socorro Martins Silva. Trabalho orientado pela Profª. Gildete Elias Dutra no ano de 2006.

Selecionei algumas partes da citada monografia para postar aqui em Versos Rascunhos a fim de divulgar um pouco da atual situação dos indígenas de nosso país, infelizmente, ainda vistos com menosprezo e preconceito pela maioria da sociedade dita civilizada.

Ou como dizem os autores:

Pretendemos com esse trabalho monográfico mostrar à sociedade as verdadeiras causas da revolta, numa perspectiva social, cultural e educacional, visando mudanças de paradigmas sobre a imagem do índio na região, o qual é visto com desconfiança e desprezo.
O trabalho de Luís Pereira Santiago e Maria do Perpétuo Socorro Martins Silva é digno ds altos elogios e de leitura para todos nós cidadãos. Segue o link da monografia.


É uma verdade estabelecida para a maioria dos brasileiros que a história do país foi inaugurada em 22 de abril de 1500. O que aconteceu antes desse período foram fatos irrelevantes que não influenciaram no posterior desenvolvimento do Brasil. Ao contrário dos países da América Espanhola, onde “conquistas” é o termo utilizado para designar a ocupação européia, tal processo é, no Brasil, conhecido como “descobrimento”, o que revela o preconceito e desconhecimento sobre as populações indígenas do Brasil e sua história.

A imagem das sociedades indígenas comuns ao público em geral é estática: indivíduos vivendo em pequenas aldeias isolados na floresta, representando um passado remoto, uma etapa evolutiva de nossa espécie. Ao longo desse período essas populações desenvolveram diferentes modos de manejo dos recursos naturais e formas diferenciadas de organização social, o que é atestado pelo crescente número de pesquisas arqueológicas realizadas no Brasil e em países vizinhos.

O impacto da conquista européia sobre as populações nativas das Américas foi imenso. Não existem números precisos, mas há estimativas indicando que a população nativa do continente chegava à época da conquista, a mais de 53.000.000 de pessoas, sendo que só a bacia Amazônica teria mais de 5.600.000 habitantes. No entanto, existem duas fontes documentais principais utilizadas nos estudos da história indígena do Brasil: de um lado os diferentes tipos de documentos escritos pelos colonizadores europeus e seus descendentes, do outro, as tradições orais e a mitologia das populações indígenas. Ambos os grupos de documentos apresentam um expressivo potencial informativo.

O território brasileiro indígena foi sendo conquistado aos poucos e sua configuração atual é relativamente recente. Por outro lado, os europeus que aqui chegaram não tiveram a preocupação de fazer um censo da população encontrada. O fato é que, com o resultado do contato com os povos que para cá imigraram nos últimos cinco séculos, a população indígena decresceu muito desde então. “Hoje o número de etnias indígenas existente no Brasil é de 218 e 180 línguas, com uma população de 350.000 a 500.000 índios” (GRUPIONE,2002,p.10).
Além das etnias mencionadas acima, ainda existem etnias isoladas, isto é, que não mantém contato com a sociedade brasileira, vivendo em regiões de difícil acesso e procurando se manter afastadas, como forma de autodefesa.

Em 1987 foi criado pela FUNAI unidades destinadas à proteção de índios isolados, cuja atuação se dá por meio de sete grupos, atuando nos estados do Amazonas, Pará, Acre, Mato Grosso, Rondônia, Goiás e Maranhão, para desenvolver os trabalhos de aproximação pacífica com os índios isolados e procurar protegê-los do contato repentino e direto com certas parcelas da população brasileira (como garimpeiros, madeireiros, etc.), procurando minimizar o efeito pernicioso que este tipo de contato pode trazer às populações indígenas em geral, mas especialmente para aquelas que se mantêm isoladas. Existem aproximadamente 55 grupos diferentes de índios isolados. A maioria com localização na região da Amazônia Legal.

Atualmente a superfície total de terras indígenas é de 84.740.350 hectares distribuído entre 599 áreas diferentes, espalhadas por todo o país, perfazendo 11,93% (FUNAI /2005) de áreas ocupadas no território brasileiro, sendo que ainda restam terras indígenas por serem identificadas e regularizadas. A maior parte da população indígena concentra-se na região amazônica.

Antes da chegada dos europeus existiam no território brasileiro 1.695 etnias e falavam 1.300 línguas. As etnias eram divididas de acordo com o tronco lingüístico ao qual pertenciam: região Norte (Aruaka,Tupi-Guarani, Pano, Macro-jê, Katukina, Mura, Txapakura, Maku, Nambikwara,Yanomami, Tukano, Karib,), região Nordeste ( Tupi-Guarani, Macro-jê, ), região Centro-Oeste (Tupi-Guarani, Macro-jê, Nambikwara, Karib, Aruaka, Guaikuru), região Sudeste (Tupi-Guarani, Aruak, Macro-jê), região Sul(Tupi-Guarani, Macro-jê).
Das etnias existentes na época do descobrimento, foram extintas em menos de 500 anos: na região Sul 33 etnias, na região Sudeste 143 etnias, na região Nordeste 344 etnias, na região Centro-Oeste 137 etnias e na região norte 820 etnias.

O contato com os não-índios fez com que muitas comunidades indígenas perdessem sua identidade. Interessados em suas terras os europeus usavam a violência contra os índios, chegavam a matá-los e até mesmo infectá-los com doenças para dizimá-los. Esse comportamento violento segue por séculos, resultando no pequeno número de etnias existentes.
A visão que os europeus tinham a respeito dos índios era eurocêntrica, achavam-se superiores e, portanto, deveriam dominá-los e colocá-los a seu serviço. A cultura indígena era considerada como sendo inferior e rústica, dentro dessa visão acreditava-se que sua função era convertê-los ao cristianismo fazendo com que seguissem a cultura européia. Foi assim que aos poucos os índios foram perdendo sua cultura e também sua identidade.

Tratar das questões problemáticas indígenas e de sua abordagem sócio-cultural e política, significa falar de uma das principais discussões que marcaram quinhentos anos de dizimação, discriminação, marginalização e opressão dos vários segmentos da sociedade nacional.

Apesar de todo o preconceito arraigado na sociedade envolvente e dos conflitos, os Tenetehara mostram capacidade de articulação de luta para se manterem como povo diferenciado, o que contribuirá para manter as fronteiras étnicas. Importante é, em muitos casos, fundamental para sobrevivência política e econômica nas relações com aqueles que o subjugam.

Relacionamentos têm marcados conflitos entre a sociedade envolvente e os índios pela disputa de terras, causadas principalmente pelos fazendeiros que tem apoio de grande parte da população de Grajaú e Barra do Corda. Mas as lembranças do conflito do Alto Alegre são mantidas vivas pela igreja que elevou os quatros frades, as sete freiras e os dois irmãos mortos à condição de mártires do cristianismo, desde os anos 50, exibindo na fachada da igreja matriz de Barra do Corda, em mármore de carrara, as esfinges dos capuchinhos mortos no conflito de Alto Alegre.

A Revolta de Alto Alegre enquanto que para os frades e a população branca em geral teve seu caráter de massacre, para os indígenas é considerada como uma defesa dos costumes, da cultura e da terra, uma luta justa em favor da preservação étnica e cultural de um povo. Os Guajajara reagiram como se o conflito fosse um conflito cultural, ou seja, os capuchinhos que estavam em suas terras se tornaram os inimigos.

A destruição da colônia agrícola de São José da Providência foi uma defesa que os indígenas encontraram para combater uma ofensa direta contra o seu modo de vida e costumes, e esse caráter de massacre atribuído à revolta indígena é fruto do preconceito de uma população alienada, atingida no confronto em que considera o índio como pessoa de características físicas, psíquicas e cultural indesejável. Já os capuchinhos, ostentam uma posição privilegiada dentro da sociedade, misturando humanidade e santidade, sendo inadmissível tal crime contra eles. Mas como condenar a intolerância indígena aos moradores de Alto Alegre se a Igreja estava sendo intolerante com o modo de vida e os costumes dos indígenas?

Os missionários erraram, pois praticaram atos de um processo catequético já fracassado em missões anteriores, sobrepondo uma cultura à outra, ainda mais em processos instantâneos.
A revolta foi gerada por todo um somatório de desavenças, intrigas, mentiras e medo, levando a um choque cultural entre indígenas e não indígenas que veio a desenvolver um conflito sócio-político, fruto da conjuntura da época, em que na verdade os mártires foram os indígenas que lutaram contra os invasores de suas terras e, principalmente a preservação de sua cultura e identidade de ser Tenetehara.

Esse choque cultural que desencadeou o conflito entre índios e não índio ao longo da história, é na verdade a condição fundamental para que os indígenas continuem a viver como tal, sendo que não permitiu a sua total submissão e integração a outro modo de vida, permitindo-lhe a sobreviver diante das fortes pressões sem deixar de ser culturalmente índio, pois, dentro da sua cultura os índios são civilizados.

Em todo o mundo hoje, finalmente os chamados civilizados começam a se aperceber que muito têm a aprender com culturas tecnicamente menos sofisticadas, mas espiritualmente muito mais avançada do que a sociedade informatizada.

(as partes usadas para esta edição foram: 2. Contextualização histórica dos indígenas brasileiros e 10. Conclusão)

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