Por Deividy Corrêa
e
Walter Rodrigues
Entro no ônibus. Meu destino?
Encontrar ela. Lembro-me do dia em que a conheci, era para ser mais um dia
típico. Foi quando encontrei pela rua um colega dos tempos nublados de igreja.
- Vai onde agora? – perguntei.
- Vou ali na casa de uma amiga –
respondeu- me Charles.
Charles era magro, quase branco,
estatura mediana, corpo de adolescente de uns 14 anos, apesar de termos a mesma
idade: 22. Aliás, sua mente também era um garoto de 14 anos, mas era um cara
legal.
- Tá a fim de ir lá? – perguntou-me
ele.
- Vamos lá então!
Chegando lá decidi ficar
esperando no portão. Não demorou muito para ele me chamar. Abri o portão subi
um lance de escada, que finaliza em sala típica: sofás e televisão sobre uma
estante. Charles apresentou-me sua amiga:
- Prazer, Davi.
- Suzan – respondeu-me ela.
Charles pediu um copo com água e
no mesmo instante que ela foi buscar ele me perguntou:
- O que achou da morena?
A resposta veio em minha mente:
“Lasciva”.
Acabei nem respondendo pra ele,
fiquei só pra mim. Ela era morena, mais baixa do que eu, pernas torneadas, cabelos
pretos e reluzentes, um sorriso arrebatador e dona de um olhar que disparava
sensualidade. Única capaz de despertar em você sentimento e desejo em
proporções extremas.
Quando ela voltou sentamos e
conversamos sobre vários assuntos, informática foi o primeiro. Expliquei-lhe
como funcionava o processador de seu computador. Depois conversamos sobre
literatura, meu assunto favorito. Logo nos identificamos e Charles ficou distante
na conversa. O cara nunca tinha lido um livro na vida. Situação comum em Belém,
onde infelizmente o conhecimento é centralizado assim como o poder aquisitivo.
E a maioria das pessoas não tinham bons incentivos em casa, na escola, na
televisão. O mais comum era que ninguém
mostrava o mínimo interesse em buscar conhecimento. É mais fácil perder tempo
na frente de uma TV, pensando coisas que outros querem que você pense sem que
você precise pensar por si só.
No aniversário de Suzan, dei-lhe
de presente um exemplar de um clássico da literatura universal Crime e castigo de Dostoievski. Afinal,
por várias vezes tinha comentado sobre este livro em nossas conversas.
Lembro-me de umas de nossas empolgantes conversas sobre literatura, perguntei
se ela já tinha lido Dostoievski e Nietzsche. Disse que já tinha ouvido falar.
Então resolvi apresentá-los a ela literatura de verdade.
Depois de alguns encontros e conversas
intensas acabei gostando dela, tornou-se minha musa. Não demorou e poemas românticos
foram escritos idealizando-a. Era incrível como nossos espíritos entravam em
sintonia, impossível não nos agradarmos um com o outro. Falávamos de nossos
relacionamentos passados que tiveram finais frustrantes, análises sociais,
músicas latinas; ela gostava de italiano e eu de espanhol, mas gostava também
de italiana e francesa e vice-versa, e claro, também de música clássica.
No final de uma de nossas
conversas disse que ela estava no seleto grupo das mulheres interessantes, que
nos enlouquecem e que nos deixam numa síndrome incurável de querê-la tanto.
Sempre tive a noção de que as musas nunca ficam com os poetas, e sim com os “homens
de verdade”, que as não ouvem e nem as enxergam de verdade, que geralmente não
se importam com que elas pensam, as desconhecendo em absoluto. Apenas
um copo bom que se sairá bem na cama. Eles não podem amá-las de verdade, pois
do contrário, eles é que não serão amados de volta. As mulheres precisam de
homens assim, e com eles elas se casam. Talvez elas não queiram que eles as
descubram plenamente
Finalmente chego a seu encontro.
Marcamos em um cinema (Cine Olímpia) que, um tempo antes estava abandonado pela
prefeitura. Nos tempos faustos da borracha o cinema era a atração mais
disputada pela elite local. A maioria das famílias gastava o que não tinha para
comprar belos vestidos para suas moças solteiras impressionarem seus possíveis
pretendentes (geralmente um cara podre de rico, ou, na pior das hipóteses,
apenas um cara rico).
Ao encontrá-la a abracei e
perguntei como estava. Ela me respondeu que estava bem. Eu fiquei muito melhor
ao encontrá-la. Assistimos ao um filme polonês com a temática sobre perfume, o
nome do filme era “Jasminum”. Sentamos um ao lado do outro. Senti vontade como
sempre de abraçá-la, protegê-la do frio, sentir seu cheiro, beijá-la de um
jeito que jamais foi beijada e em seu ouvido sussurrar que adorava sua
companhia. Todavia, só era vontade, muita vontade... Faltava-me atitude.
Depois do filme a convidei para
lanchar. Enquanto comíamos uma pizza, falávamos sobre o filme. E no meio da
conversa falamos sobre o que faltava para ficarmos juntos. Era até meio difícil
de entender. No final nos despedimos, tínhamos caminhos diferentes. Mas antes, eu
disse em seu ouvido:
- Sabe o que faltou? Uma chance.
Suzan ficou sem resposta. Suzan é
do tipo da garota que se fecha para as pessoas que se aproximam dela. E uma
dessas pessoas, pode um dia ser o amor de sua vida, o que ela sempre esperou.
Uma vez lhe perguntei:
- Você foi já amada de verdade?
- Não – respondeu-me ela
secamente.
Não precisei nem explicar a
pergunta. Eu disse, que se dependesse de mim isso mudaria. Queria amá-la de
verdade como ninguém antes amou. Mas é aquela velha história… as musas nunca
nos escolhem.
E lá se foi ela em direção oposta
a minha. Mais uma vez fiquei me perguntando... E lembrei-me de uma das letras
de Leoni, que diz assim:
“Eu tenho o gesto exato, sei como devo andar
Aprendi nos filmes pra um dia usar
Um certo ar cruel de quem sabe o que quer
Tenho tudo planejado pra te impressionar
Luz de fim de tarde, meu rosto encontra luz
Não posso compreender, não faz nenhum efeito
A minha aparição será que errei na mão
As coisas são mais fáceis na televisão...”
Sei que como a maioria dos
românticos sou um fracasso. Mas ainda assim adoro ser um.
No ônibus voltando para casa,
ainda sentia sua presença. Às vezes, chegava demorar um dia para eu perceber
que ela já não estava mais do meu lado. Aquele encontro com Suzan não queria se
desfazer de minha memória. Estava impregnado em mim. Suzan o tipo de
garota que nos ensina a amar, mas não nos ensina a esquecer.
No caminho de casa decidi parar
em um bar, daqueles meio decadentes e apertados, onde o banheiro era um
verdadeiro pós-guerra, mas em compensação bastava eu levantar o dedo que
atendente já aparecia com outra “loira e gelada”. E olha que eu já tinha bebido
em bares burgueses, onde os garçons sempre demoravam em nos trazer uma cerveja.
Eu queria beber e lembrar aquele meu encontro com Suzan.
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