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quinta-feira, 19 de agosto de 2010

DEPOIS DE RUY MOREIRA, A ILHA DE COTIJUBA

No céu azul salpicado de nuvens brancas, o sol furioso do mês de julho. Verão amazônico. A cidade inteira dava um jeito de escapar. Os destinos eram variados e logicamente dependeria do bolso de cada um. Só o que não valia era ficar em Belém torrando. É claro que haveria algumas pessoas que não teriam outra opção, mas escapariam nos finais de semana. Acontece que naquelas férias de julho eu estaria esgotado mental e fisicamente. Vida de calouro não é fácil, cabôco. Textos sem sal e trabalhos por cima de trabalhos; pressão, ônibus lotados, trânsito congestionado e os centavos contados. E ainda por cima a antipatia pelo curso. Naquele 1° semestre, eu rezava pelo Edital de Mobilidade Acadêmica. Enquanto o edital não vinha, eu precisaria tirar notas convincentes e aprender a suportar. Por sorte eu era um cara muito determinado, e não estava mal nestes quesitos.
E eu caminhava com uma enorme mochila em direção ao trapiche de Icoaraci. Na cabeça ainda martelava os conceitos de Reclus, La Blache, Brunhes, Sorre, George, Tricart entre outros clássicos das matrizes originárias da Geografia. “O pensamento geográfico brasileiro: as matrizes clássicas originárias”, Editora Contexto – São Paulo, 2008, do autor Ruy Moreira, certamente, era um texto de alta realização. Um texto claro, direto e bem pontuado, períodos curtos que não nos perdiam, mas antes nos levavam para uma leitura prazerosa, sem ser superficial. Ruy Moreira sabia como usar as palavras e havia nele quase paixão e ardor. Isso me fora um descoberta agradável. A Geografia parecia ter bons escritores. (E eu ainda estava por conhecer Milton Santos).
Embarco em um pequeno pô-pô-pô lotado. Desatracamos do trapiche de Icoaraci e navegamos pelas águas calmas daquela manhã de sol a pino, em direção a Ilha de Cotijuba. Eu precisava de descanso e algumas ressacas.

domingo, 18 de julho de 2010

POR UMA MUDANÇA DE PARADIGMAS SOBRE A IMAGEM DO ÍNDIO



Pesquisando artigos científicos pela Google eu encontrei uma monografia muito interessante intitulada: “Revolta de Alto Alegre: devoção e dor no sertão maranhense”. Monografia apresentada ao Curso de Geografia da Universidade Estadual do Maranhão/ Centro de Estudos Superiores de Imperatriz UEMA/CESI, para obtenção do grau de Licenciatura Plena em Geografia pelos discentes Luís Pereira Santiago e Maria do Perpétuo Socorro Martins Silva. Trabalho orientado pela Profª. Gildete Elias Dutra no ano de 2006.

Selecionei algumas partes da citada monografia para postar aqui em Versos Rascunhos a fim de divulgar um pouco da atual situação dos indígenas de nosso país, infelizmente, ainda vistos com menosprezo e preconceito pela maioria da sociedade dita civilizada.

Ou como dizem os autores:

Pretendemos com esse trabalho monográfico mostrar à sociedade as verdadeiras causas da revolta, numa perspectiva social, cultural e educacional, visando mudanças de paradigmas sobre a imagem do índio na região, o qual é visto com desconfiança e desprezo.
O trabalho de Luís Pereira Santiago e Maria do Perpétuo Socorro Martins Silva é digno ds altos elogios e de leitura para todos nós cidadãos. Segue o link da monografia.


É uma verdade estabelecida para a maioria dos brasileiros que a história do país foi inaugurada em 22 de abril de 1500. O que aconteceu antes desse período foram fatos irrelevantes que não influenciaram no posterior desenvolvimento do Brasil. Ao contrário dos países da América Espanhola, onde “conquistas” é o termo utilizado para designar a ocupação européia, tal processo é, no Brasil, conhecido como “descobrimento”, o que revela o preconceito e desconhecimento sobre as populações indígenas do Brasil e sua história.

A imagem das sociedades indígenas comuns ao público em geral é estática: indivíduos vivendo em pequenas aldeias isolados na floresta, representando um passado remoto, uma etapa evolutiva de nossa espécie. Ao longo desse período essas populações desenvolveram diferentes modos de manejo dos recursos naturais e formas diferenciadas de organização social, o que é atestado pelo crescente número de pesquisas arqueológicas realizadas no Brasil e em países vizinhos.

O impacto da conquista européia sobre as populações nativas das Américas foi imenso. Não existem números precisos, mas há estimativas indicando que a população nativa do continente chegava à época da conquista, a mais de 53.000.000 de pessoas, sendo que só a bacia Amazônica teria mais de 5.600.000 habitantes. No entanto, existem duas fontes documentais principais utilizadas nos estudos da história indígena do Brasil: de um lado os diferentes tipos de documentos escritos pelos colonizadores europeus e seus descendentes, do outro, as tradições orais e a mitologia das populações indígenas. Ambos os grupos de documentos apresentam um expressivo potencial informativo.

O território brasileiro indígena foi sendo conquistado aos poucos e sua configuração atual é relativamente recente. Por outro lado, os europeus que aqui chegaram não tiveram a preocupação de fazer um censo da população encontrada. O fato é que, com o resultado do contato com os povos que para cá imigraram nos últimos cinco séculos, a população indígena decresceu muito desde então. “Hoje o número de etnias indígenas existente no Brasil é de 218 e 180 línguas, com uma população de 350.000 a 500.000 índios” (GRUPIONE,2002,p.10).
Além das etnias mencionadas acima, ainda existem etnias isoladas, isto é, que não mantém contato com a sociedade brasileira, vivendo em regiões de difícil acesso e procurando se manter afastadas, como forma de autodefesa.

Em 1987 foi criado pela FUNAI unidades destinadas à proteção de índios isolados, cuja atuação se dá por meio de sete grupos, atuando nos estados do Amazonas, Pará, Acre, Mato Grosso, Rondônia, Goiás e Maranhão, para desenvolver os trabalhos de aproximação pacífica com os índios isolados e procurar protegê-los do contato repentino e direto com certas parcelas da população brasileira (como garimpeiros, madeireiros, etc.), procurando minimizar o efeito pernicioso que este tipo de contato pode trazer às populações indígenas em geral, mas especialmente para aquelas que se mantêm isoladas. Existem aproximadamente 55 grupos diferentes de índios isolados. A maioria com localização na região da Amazônia Legal.

Atualmente a superfície total de terras indígenas é de 84.740.350 hectares distribuído entre 599 áreas diferentes, espalhadas por todo o país, perfazendo 11,93% (FUNAI /2005) de áreas ocupadas no território brasileiro, sendo que ainda restam terras indígenas por serem identificadas e regularizadas. A maior parte da população indígena concentra-se na região amazônica.

Antes da chegada dos europeus existiam no território brasileiro 1.695 etnias e falavam 1.300 línguas. As etnias eram divididas de acordo com o tronco lingüístico ao qual pertenciam: região Norte (Aruaka,Tupi-Guarani, Pano, Macro-jê, Katukina, Mura, Txapakura, Maku, Nambikwara,Yanomami, Tukano, Karib,), região Nordeste ( Tupi-Guarani, Macro-jê, ), região Centro-Oeste (Tupi-Guarani, Macro-jê, Nambikwara, Karib, Aruaka, Guaikuru), região Sudeste (Tupi-Guarani, Aruak, Macro-jê), região Sul(Tupi-Guarani, Macro-jê).
Das etnias existentes na época do descobrimento, foram extintas em menos de 500 anos: na região Sul 33 etnias, na região Sudeste 143 etnias, na região Nordeste 344 etnias, na região Centro-Oeste 137 etnias e na região norte 820 etnias.

O contato com os não-índios fez com que muitas comunidades indígenas perdessem sua identidade. Interessados em suas terras os europeus usavam a violência contra os índios, chegavam a matá-los e até mesmo infectá-los com doenças para dizimá-los. Esse comportamento violento segue por séculos, resultando no pequeno número de etnias existentes.
A visão que os europeus tinham a respeito dos índios era eurocêntrica, achavam-se superiores e, portanto, deveriam dominá-los e colocá-los a seu serviço. A cultura indígena era considerada como sendo inferior e rústica, dentro dessa visão acreditava-se que sua função era convertê-los ao cristianismo fazendo com que seguissem a cultura européia. Foi assim que aos poucos os índios foram perdendo sua cultura e também sua identidade.

Tratar das questões problemáticas indígenas e de sua abordagem sócio-cultural e política, significa falar de uma das principais discussões que marcaram quinhentos anos de dizimação, discriminação, marginalização e opressão dos vários segmentos da sociedade nacional.

Apesar de todo o preconceito arraigado na sociedade envolvente e dos conflitos, os Tenetehara mostram capacidade de articulação de luta para se manterem como povo diferenciado, o que contribuirá para manter as fronteiras étnicas. Importante é, em muitos casos, fundamental para sobrevivência política e econômica nas relações com aqueles que o subjugam.

Relacionamentos têm marcados conflitos entre a sociedade envolvente e os índios pela disputa de terras, causadas principalmente pelos fazendeiros que tem apoio de grande parte da população de Grajaú e Barra do Corda. Mas as lembranças do conflito do Alto Alegre são mantidas vivas pela igreja que elevou os quatros frades, as sete freiras e os dois irmãos mortos à condição de mártires do cristianismo, desde os anos 50, exibindo na fachada da igreja matriz de Barra do Corda, em mármore de carrara, as esfinges dos capuchinhos mortos no conflito de Alto Alegre.

A Revolta de Alto Alegre enquanto que para os frades e a população branca em geral teve seu caráter de massacre, para os indígenas é considerada como uma defesa dos costumes, da cultura e da terra, uma luta justa em favor da preservação étnica e cultural de um povo. Os Guajajara reagiram como se o conflito fosse um conflito cultural, ou seja, os capuchinhos que estavam em suas terras se tornaram os inimigos.

A destruição da colônia agrícola de São José da Providência foi uma defesa que os indígenas encontraram para combater uma ofensa direta contra o seu modo de vida e costumes, e esse caráter de massacre atribuído à revolta indígena é fruto do preconceito de uma população alienada, atingida no confronto em que considera o índio como pessoa de características físicas, psíquicas e cultural indesejável. Já os capuchinhos, ostentam uma posição privilegiada dentro da sociedade, misturando humanidade e santidade, sendo inadmissível tal crime contra eles. Mas como condenar a intolerância indígena aos moradores de Alto Alegre se a Igreja estava sendo intolerante com o modo de vida e os costumes dos indígenas?

Os missionários erraram, pois praticaram atos de um processo catequético já fracassado em missões anteriores, sobrepondo uma cultura à outra, ainda mais em processos instantâneos.
A revolta foi gerada por todo um somatório de desavenças, intrigas, mentiras e medo, levando a um choque cultural entre indígenas e não indígenas que veio a desenvolver um conflito sócio-político, fruto da conjuntura da época, em que na verdade os mártires foram os indígenas que lutaram contra os invasores de suas terras e, principalmente a preservação de sua cultura e identidade de ser Tenetehara.

Esse choque cultural que desencadeou o conflito entre índios e não índio ao longo da história, é na verdade a condição fundamental para que os indígenas continuem a viver como tal, sendo que não permitiu a sua total submissão e integração a outro modo de vida, permitindo-lhe a sobreviver diante das fortes pressões sem deixar de ser culturalmente índio, pois, dentro da sua cultura os índios são civilizados.

Em todo o mundo hoje, finalmente os chamados civilizados começam a se aperceber que muito têm a aprender com culturas tecnicamente menos sofisticadas, mas espiritualmente muito mais avançada do que a sociedade informatizada.

(as partes usadas para esta edição foram: 2. Contextualização histórica dos indígenas brasileiros e 10. Conclusão)

sexta-feira, 23 de outubro de 2009

Tropa de Elite e Elite da Tropa - verdades abissais



"O Batalhão de Operações Policiais Especiais, BOPE para os íntimos, chega à praça de guerra. Estamos com gana de invadir favela, um puta tesão. Desculpe falar assim, mas é para contar verdade ou não é? Você vai logo descobrir que sou um cara bem formado, com uma educação que pouca gente tem no Brasil. Talvez você até se espante quando souber que estudo na PUC, falo inglês e li Foucault. Mas isso fica para depois. Vou tomar a liberdade de falar com toda franqueza, e, você sabe, quando a gente é sincero, solta o verbo e nem sempre as palavras são as mais sóbrias e elegantes. Se você está esperando um depoimento bem educadinho, pode esquecer. Melhor fechar o livro agora mesmo. Desculpe, mas me irrito com as pessoas que querem ao mesmo tempo a verdade um discurso de cavalheiro. A verdade tem de ser convocada a comparecer, e ela só baixa no cavalo desbocado, que se recusa a filtrar a voz que vem do coração. Por isso, a verdade está mais para discurso de cavaleiro e de cavalo, do que para os salamaleques da corte. Esse depoimento é como se fosse minha casa. Ele vai ser belo, sublime e horrendo, como eu sou, como tem sido a minha vida. E como é a sua vida também, com toda certeza. Entre, fique à vontade. A casa é sua. No início você vai estranhar um pouco algumas coisas, mas depois vai se acostumar. Eu também estranhei no começo. Quando entrei pra polícia, estranhei muita coisa. Mas logo me acostumei. A gente se acostuma. Portanto, meu caro amigo, caríssima amiga — posso chamá-los assim? —, apertem o cinto e vamos em frente". 

(Elite da Tropa, LUIZ EDUARDO SOARES, ANDRÉ BATISTA E RODRIGO PIMENTEL - Editora Objetiva. Trecho extraído da parte: Diário da guerra e do capítulo: Mil e uma noites).


Às vésperas das filmagens do segundo longa do filme Tropa de Elite, recordei-me da obra Elite da Tropa, livro que serviu de base para o maior sucesso do cinema nacional. É comum se chocar diante das falas e das atitudes das personagens quando se assisti pela primeira vez ao filme, embora saibamos que tudo aquilo seja a pura realidade de nosso país. Todavia o que me deixou mais surpreso e ao mesmo tempo satisfeitíssimo, fora eu ler nas páginas, principalmente da primeira parte do livro: Diário da Guerra, uma linguagem tão espontânea e eletrizante quanto à do filme. No entanto, se tratando de literatura brasileira, o livro também é um marco. Desde o romancista paraibano José Lins do Rego, eu não encontrava um português tão solto, envolvente e, acima de tudo, brasileiríssimo. É claro que me dirão sobre Jorge Amado, Raquel de Queiroz, Nelson Rodrigues e etc. Que fique claro, eu não estou defendendo uma literatura marginal, como a tão conhecida Geração beat, por exemplo, e muito menos uma literatura pornográfica como O Doce Veneno do Escorpião de Bruna Sufistinha. Evidentemente nomes como Jack Kerouac, Allen Ginsberg e William S. Burroughs trouxeram para o mundo das letras uma nova forma de encarar a realidade, de denunciá-la através da literatura. Já Bruna Sufistinha é um arraso nos filmes em que trabalha. Anos antes, Nietzsche já havia nos ensinado como se escrever uma verdade sem precisar parecer profundo. Ele afirmava que uma verdade abissal tende a ser simples e clara. Suas verdades são tão profundas que até hoje para muitas pessoas elas ainda são inatingíveis. E os autores LUIZ EDUARDO SOARES, ANDRÉ BATISTA E RODRIGO PIMENTEL nos presentearam com esta outra verdade abissal: “A verdade tem de ser convocada a comparecer, e ela só baixa no cavalo desbocado, que se recusa a filtrar a voz que vem do coração. Por isso, a verdade está mais para discurso de cavaleiro e de cavalo, do que para os salamaleques da corte.” Bukowski soube contar uma história e ao mesmo tempo lançar dentro delas os seus pensamentos (Em Misto Quente, seu melhor romance). Henry Miller não soube. Suas análises nos perdem dentro do enredo. Miller era uma espécie de Nietzsche misturado com James Joyce. Essa mistura não ficou legal. Mas eles souberam passar suas mensagens como ninguém ao apostarem numa literatura sincera e sem adornos. Minha intenção ao escrever isso, não era encher o saco de ninguém com análises longas e chatas, mas sim deixar claro que, não somente o filme Tropa de Elite, mas também o livro Elite da Tropa, foram um marco na história intelectual do Brasil. 

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quinta-feira, 7 de maio de 2009

As águas das Letras rugem no Pará

Por Walter L. Jardim Rodrigues
O manifesto redigido pelo escritor Rui do Carmo, mostra de forma clara e direta os objetivos desse Movimento que vêm durante esses últimos anos ocupando o seu merecido lugar na história literária do Pará e do Brasil.
Apresentando-se em feiras literárias, escolas, faculdades, praças, bares; levando literatura boa, de qualidade a todos os cantos de Belém, o Movimento vem ganhando certa notoriedade diante do público paraense e, com isso, revelando jóias como os escritores Rui do Carmo, com seus textos vibrantes carregados de poesia; a originalidade e o talento inquestionável de Renato Gusmão; a suavidade lírica de Simone Mota, que vem evoluindo muito desde seu primeiro trabalho “ Poemas e versos que brotam do coração”; a saborosa e desprendida escrita de Antônio Juraci Siqueira e as imagens poéticas que se assomam aos textos de Roseli Sousa os emoldurando numa esfera de encantamento e sonho são apenas alguns dos talentosos escritores do Movimento.
Nobre iniciativa desse grupo de escritores, já não mais anônimos, que vem gerando e revelando saborosos frutos para a literatura paraense e brasileira.

terça-feira, 2 de setembro de 2008

Federico García Lorca

A MAIS IMPORTANTE VOZ POÉTICA DA ESPANHA MODERNA


“Poesia é amargura,
mel celeste que emana
de um favo invisível
que as almas fabricam.

Poesia é o impossível
feito possível. Harpa
que tem em vez de cordas
corações e chamas.”


Federico García Lorca, músico, dramaturgo, pintor, compositor e poeta, fez parte da Geração de 27, jovens escritores que queriam renovar a literatura espanhola. Homossexual, antifascista e antifranquista, Lorca desenvolveu sua poesia no âmbito da literatura moderna, mas resgatou formas e tradições da literatura regional espanhola, como a flamenca, o que pode ser visto nos versos de Poema do “cante jondo”: “Terra seca, /terra quieta/ de noites imensas./ (Vento no olivial,/ vento na serra.)/ Terra/ velha/ do candil/ e da pena./ Terra/ das fundas cisternas./ Terra/ da morte sem olhos/ e das flechas./ (Vento pelos caminhos./ Brisa nas alamedas.)” Poema da soleá e de Seis poemas galegos: “Ergue-te, minha amiga/ que já cantam os galos do dia!/ Ergue-te, minha amada,/ porque o vento muge como uma vaca!” Canção de ninar para Rosalía Castro, morta . A associação com os elementos da natureza está presente em praticamente toda a sua obra. Pelo caráter musical e telúrico de seus versos e uma doce melancolia, Lorca ombreia com Pablo Neruda o título de maior poeta da língua espanhola no século XX.

DA FUGA

A meu amigo Miguel Pérez Ferrero

Perdi-me muitas vezes pelo mar,
o ouvido cheio de flores recém cortadas,
a língua cheia de amor e de agonia.
Muitas vezes perdi-me pelo mar,
como me perco no coração de alguns meninos.
Não há noite em que, ao dar um beijo,
não sinta o sorriso das pessoas sem rosto,
nem há ninguém que, ao tocar um recém-nascido,
se esqueça das imóveis caveiras de cavalo.
Porque as rosas buscam na frente
uma dura paisagem de osso
e as mãos do homem não têm mais sentido
senão imitar as raízes sob a terra.
Como me perco no coração de alguns meninos,
perdi-me muitas vezes pelo mar.
Ignorante da água vou buscando uma morte de luz que me consuma.

FEDERICO GARCÍA LORCA nasceu em Fuente Vaqueros (Granada, Espanha) em 5 de junho de 1898, em uma família culta e de classe alta. Em 1920, pela primeira vez foi encenada uma peça sua, El malefício de la mariposa, e no ano seguinte publicou em livro seus primeiros textos líricos, Libro de poemas. Travou relações com algumas das figuras vanguardistas de seu tempo, como Salvador Dalí. Foi fuzilado pela guarda franquista no início da Guerra Civil espanhola, entre os dias 18 e 19 de agosto de 1936.

Confira está biografia do poeta disponível no site da Amazon: 




(texto extraído da obra ANTOLOGIA POÉTICA – EDITORA L&M POCKET http://www.ipm.com.br/, tradução, seleção e apresentação de William Agel de Mello e editada pelo blog Versos Rascunhos).

quinta-feira, 21 de agosto de 2008

Surrealismo: Poesia e Rebelião

Curso com Claudio Willer em Belém


O Instituto de Artes do Pará – IAP em parceria com a AGRAF e a Revista Literária Polichinello, contou com a ilustríssima presença da autoridade em literatura surrealista, o senhor Claudio Willer. Foram três dias: 4,5 e 6 de junho de 2008 das 9:00 (9:20, pois Willer não gosta de horas redondas “prefiro as quebradas” diz ele) às 13:00 horas. Os principais temas surrealistas foram abordados como: o pensamento analógico, o “acaso objetivo”, escrita automática. Seus precursores: Baudelaire, Rimbaud e Lautrémont tiveram análises profundas, tanto de suas vidas como de suas obras; pois, segundo Willer, é impossível analisar uma obra surrealista à maneira acadêmica, pois esses, tendem a desassociar obra e autor configurando assim um gravíssimo equívoco quando aplicado às analises de autores surrealistas. Logicamente, André Breton e suas obras: “Manifestos Surrealistas” e, principalmente, “Nadja” foram comentadas desde o primeiro ao último dia. Mallarmé, Nerval, Novalis, Éliphas Lévi, Fernando Pessoa foram citados assim como foram lidos e analisados poemas de Baudelaire, Paul Éluard, Robert Desno e Jacques Prévert. Textos-idéias carregados de imagens, loucas por serem desvendas (?). Observava-se em Willer um constante e indisfarçável interesse em aprofundar-se na obra do pitoresco poeta Roberto Piva e dela tirar as exemplificações talvez mais audaciosas e ricas do Surrealismo nacional. No entanto, ele precisava avança lentamente e o tempo do curso fora estreito e curto demais. Então, o que se viu, principalmente no último dia de curso, fora um Willer apressado tentando repassar, em resumo, tudo o que deveria ser repassado lentamente. Leu dois textos de Roberto Piva e relacionou com os textos de Breton a fim de elucidar a comunicação entre os textos do maior surrealista com os textos do grande surrealista brasileiro. García Lorca também estava sendo aguardado, mas nem o maior poeta espanhol e sua obra foram discutidas. O tempo era escasso e, o “Poeta em Nova York” e o “Poeta em São Paulo” ficaram na expectativa. No mais, Claudio Willer deixou uma boa base. Agora é só montar os alicerces. Willer precisou se retirar antes da 13:00 horas, pois daria uma entrevista à TV local.“Não se esqueçam: ‘o plágio é necessário’ como dizia Lautrémont. Obrigado.” Despedi-se, com estas palavras o poeta, tradutor e ensaísta Cláudio Willer.

sexta-feira, 1 de agosto de 2008

Prólogo

Por que ainda se escrevem livros de poesias? A cada verso escrito, a cada rima traçada (de forma ingênua ou sátira) esvai o eterno dizer-se dizendo o que de outra forma não poderia ser dito. Exceto por suspiros e olhares perdidos. O despir-se de inumeráveis máscaras marcadas nesse incessante procurar da verdadeira face. Possível? Catarse, talvez exorcismo.
Mas para que se escrevem livros de poesias? Para gritar nas linhas e entre linhas, cuspir para o alto, mesclar-se. Correr em desespero para chegar primeiro a lugar nenhum e, estando lá, executar o plangente e sofredor tango argentino e dançar sozinho. Comer estrelas sujas e vomitar inúmeros gnomos endoidecidos, buscando colher as flores de um jardim ensangüentado de desejos pré-moldados, enquanto os anjos trepam, às escondidas, em asteróides peregrinos.
Para fazer sentir, sentindo-se…

sexta-feira, 25 de julho de 2008

A leitura de Clarice Lispector













Clarice Lispector
10/12/1920 - 09/12/1977
A leitura de Clarice Lispector, ao primeiro contanto, nos parece estranha e demasiada. Pois seus textos exigem do leitor uma atenção concentrada e a metade da alma. Um mergulho nas profundezas das personagens tão iguais ao leitor e que talvez por isso indigestos e repulsantes para alguns. A história é o que menos importa nos romances de Clarice, os cenários reproduzem o espírito das personagens e a descrição vaga solta no ar. Leitura trabalhosa, ação letárgica, quase parada embora todo um turbilhão de sentidos nos revolva integralmente. Impopular para muitos; idolatrada por outros. Clarice Lispector vêm inserindo na alma de seus leitores um “quê” de feitiço que os absorve para além dos sentidos fazendo com que uma cotidiana leitura se transforme numa viagem alucinógena, altamente irreal e ilógica na medida que mais nos parece familiar. A leitura de Clarice Lispector é mágica, sua escrita monumental. Por isso, vamos lê-la. Pois, meus caros amigos da Web, vale a pena.
Clarice Lispector nasceu em Tchetchelnik, na Ucrânia, no dia 10 de dezembro, tendo recebido o nome de Haia Lispector, terceira filha de Pinkouss e de Mania Lispector. Seu nascimento ocorre durante a viagem de emigração da família em direção à América. Tendo publicado vários livros veio se tornar um dos grandes nomes da Literatura Brasileira.

segunda-feira, 14 de julho de 2008

De Dickens a Fitzgerald

Nesses últimos meses estive em contato com duas grandes obras escritas em língua inglesa: “As aventuras do Sr. Pickwick” do inglês Charles Dickens e “Suave é a noite” do norte americano Scott Fitzgerald.
Obras que surpreendem pela a aguçada e perfeita descrição. Personagens muito bem construídos, dotados de personalidades humanas, que nos envolve do início ao fim da trama.

Como não se maravilhar com a personalidade impa do idoso filosofo de simpáticos óculos redondos em uma face redonda e sua extraordinária ventura ao lado dos jovens amigos: Winkle, Tupmam e Snodgrass. A presença de Samuel Weller, no entanto, me parece crucial no romance. O Sam, como era chamado, é dotado de uma personalidade insolente, carregada de uma ironia fina e ácida que não há como não querê-lo desde sua aparição do Capítulo X até o desfecho dessa monumental narrativa.
Leitura agradável como uma brisa em tardes quentes.

“- Vão – brandou a Sra. Raddle, mostrando a cabeça acima do corremão da escada, no momento em que o Sr. Pickiwicki, seguindo do Sr. Tupmam, saía da saleta. – Vão! Afinal, por que vieram?
- Minha senhora! – recalcitrou o Sr. Pickwick, olhando para cima.
- Vá andando, seu velho safado! – replicou a Sra. Raddle tirando, rápido, o barrete de dormir. – Já tem idade bastante para ser avo dele, seu borra-botas! Você é pior que os outros.
O Sr. Pickwick achou que seria inútil protestar; por isso, desceu precipitadamente as escadas e chegou à rua acompanhado de perto pelo Sr. Tupman, Sr. Winkle e Sr. Snodgrass. "

Em “Suave é a noite” de Fitzgerald , confesso, devido aos longos períodos, o achei maçante. No entanto, acabei me pretendo de tal modo a leitura que a palavra “FIM” me pegou de surpresa. A história de amor do brilhante Dr. Diver e sua paciente Nicole Warren dispostos a vencer o problema psicológico de Nicole e a inconveniente fortuna da família Warren que sempre está colocando em prova o amor de Diver. No entanto, o amor de ambos se ver vencido pela soma dos anos de casados que cuidou de esfriar tão fogosa paixão.

A obra inteira é atravessada por uma sensibilidade extremada que nos faz sentir um misto de amor e conformidade em relação a tudo que é efêmero e transitório.

“O que lhe acontecera era tão terrível, que nada podia fazer diferença, a não ser que pudesse abafar a recordação; não sendo isto possível, podia-se dizer que era um caso perdido. Ele seria outra pessoa ali por diante, e, no estrado em que se achava, tinha idéias bizarras sobre o que seria o seu novo “eu”.”