Editorial da kamikASES revista literária - ano I 2010. Edição n° 1. ISSN 2178-1559. Págs. 3 e 4.
Para cantar é preciso primeiro abrir a boca. É preciso ter um par de pulmões e um pouco de conhecimento de música. Não é necessário ter harmonia ou violão. O essencial é querer cantar. Isto é, portanto, uma canção. Eu estou cantando.
Henry Miller, Trópico de Câncer.
Por que escrever, editar, imprimir e divulgar uma revista? Porque nos consideramos artistas, criadores, agitadores de um novo movimento, mesmo que em espaço reduzido e delimitado? Até gostaríamos de estar fundando um movimento estético, mas para isso, precisaríamos de uma geração dispostas a romper com uma vigência, mas… quem tem consciência para ter coragem, quem vai romper com os padrões que se ruminam tempo após tempo, o mais sempre do mesmo?!, ainda mais em tempos de poéticas tão isoladas, dispersas, e, muitas vezes, carentes de um projeto consistente… em tempos onde os aparelhos ideológicos do estado e a falsa democratização massificada das mídias diluem e escondem os discursos autoritários… Quem?!
Essa situação é nossa angústia: não saber ao certo quem é o inimigo, não saber a quem atacar, não saber de onde vem o tiro.
Contudo, essa angústia não elimina uma necessidade básica e raramente suprimida de todo ser-humano: a expressão e a comunicação Libertárias, Anárquicas: A Contra-comunicação.
Na ânsia ociosa dessa necessidade, busca-se o melhor meio de supri-la, e este é sem dúvida a Arte. A linguagem poética é a mais libertária forma de expressão, a crítica pode até tentar cerceá-la, cercando de teorias, regras e classificações, padrões, hierarquias e cânones. Mas, é justamente quebrando as regras que a ela impõe que a arte sobrevive, se renova e (se) reinventa. Por meio da arte, pode-se [re] criar o universo, montar uma realidade paralela toda feita de signo. A ‘artinventiva’ é o verdadeiro espaço de democratização da linguagem, onde pode-se criar a sua própria negando todas as regras técnicas, gramaticais, morais, ideológicas. Negando a própria arte, deslendo e desconstruindo a tradição.
a arte transcende. a arte se [sub] verte e se [re] cria numa seqüência histórica [auto] remissiva de signos interpretantes… a arte é perigosa
Ela é perigosa, pois, produzindo-a, encontramos, enfim, o inimigo contra o qual lutar: o tão “admirável mundo novo” que é o padrão, a robotização, a maquinização, a tarefa ideológica da homogeneização. Tudo aquilo que nos cala e nos nega alteridade , que nos situa no mundo como meros fantoches ouvintes/receptores e nunca como falantes/produtores. Nós ouvimos (a televisão, a música no rádio, o jornal, a autoridade e até a Voz do Brasil!) e nunca somos ouvidos, como se não tivéssemos nada a dizer, assim, nos relegam à pior forma de isolamento: aquele, entre um mar de vozes, onde a sua se dilui, se perde e não é ouvida.
A expressão artística consciente, que se inscreve historicamente, que traduz para sua linguagem os signos de seu tempo e de um passado que pretende ler e iluminar em face de um projeto do presente que se projete para o futuro, como roteiro de uma nova história, põe em cheque toda forma de autoritarismo ideológico e estético dos meios de comunicação da suposta era das mídias democráticas. A representação do discursos e padrões por meio da metalinguagem, do signo icônico, que interpreta, crítica e evidencia sua vacilação, põe em colapso todos os padrões, toda a certeza, criando linguagem e estéticas próprias.
a produção artística é contra-poder, contra comunicação, libertação
Na aldeia de pedra que semeia ferro, somos sós, somos todos inelutavelmente sós, o sujeito [pós-(?)] moderno é terrivelmente só (ou você nunca sentiu a “punhalada” de que fala Baudelaire? Ou nunca esteve fora da roda, “como a dama da noite”?). O romance, como gênero literário da modernidade, é uma prova disso, basta lembramos as palavras de Walter Benjamin: “A origem do romance é o individuo isolado, que não pode mais falar exemplarmente sobre suas preocupações mais importantes e que não recebe conselhos nem sabe dá-los”.
a escrita é uma experiência solitária. devemos, por tanto, guardar o que escrevemos em um baú ou queimar tudo?
Acreditamos que não, acreditamos que necessitamos da expressão e comunicação Libertária, sem nos preocuparmos com juízos de valor, sem nos preocuparmos se agradamos ou desagradamos, sem nos preocuparmos se ferimos morais ou convicções quaisquer que sejam, sem nos preocuparmos com a crítica, até porque, para haver crítica, é preciso que alguém ouça nosso grito. Melhor gritar e ser ouvido, ainda que desagradando, incomodando, do que permanecer eunucamente mudo e servil.
Nós não temos grandes pretensões, só queremos cantar, pouco importa se saímos do tom ( os essencial é querer cantar), pois é exatamente como disse Oscar Wilde: “Todos estamos na sarjeta, mas alguns de nós preferem olhar as estrelas”.
Assim, te convidamos ( tu que estás se dispondo a ler isto neste momento) a fazer o mesmo. Somos todos cantores, basta ter pulmões e querer cantar.
Canta, Berra, Escarra, Vomita, Esporra, Regurgita tuas neuroses…
Francisco Ewerton dos Santos
reinaldo guaxe
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