segunda-feira, 10 de janeiro de 2011

Circuito bregueiro conquista a cidade

Os irmãos Edilson e Edielson comandam a parelhagem Mega Príncipe
 
por Dilermando Gadelha
foto Tarso Sarraf
 
A palavra "brega" geralmente está ligada ao mau gosto, àquilo que é esteticamente feio ou de valor inferior. Em algumas regiões do Brasil, como o centro-sul, brega também é uma música romântica, "piegas", representada por grandes nomes da música popular brasileira, como Reginaldo Rossi e seu clássico "Garçom, aqui nessa mesa de bar..."
No Estado do Pará, o termo ganhou novos significados. O brega está associado a um ritmo caracterizado pela fusão entre o romântico e o dançante, com influências do bolero, merengue, twist, Iê-iê-iê e sons caribenhos muito escutados nas rádios da capital paraense na década de 50, como explica Antônio Maurício Costa, professor da Faculdade de História da UFPA e autor do livro Festa na Cidade: O Circuito Bregueiro de Belém do Pará.
"O brega é um herdeiro do bolero, muito apreciado nas festas da periferia de Belém, na segunda metade do século XX. As várias influências musicais vindas dos Estados Unidos, Caribe e América Latina acabaram colaborando para que se produzisse uma originalidade criativa na música de compositores da terra, dando origem ao brega paraense, sem ligação direta com o brega feito no Centro-Sul do País", Maurício Costa.
O estilo surgiu em meados dos anos 60 e passou a ocupar um espaço maior nos veículos de comunicação a partir da década seguinte, graças a duas gravadoras de som. A Rauland e a Grava Som foram as responsáveis por produzir os primeiros discos no estilo, rotulando-os de música brega e levando ao estrelato nomes como Ted Max e Mauro Cota. Nessa época, o ritmo era caracterizado pela batida dançante e pelo romantismo da letra.
A partir da década de 80, o ritmo passa por uma reformulação: as guitarras se tornam importantes para o Brega Pop, principalmente com o chacundum, uma batida especial criada por Chimbinha, guitarrista da banda Calypso. Os anos 2000 trazem a terceira fase do estilo, que, com mais autonomia do rótulo "brega", passa a ter três vertentes: o technobrega, caracterizado pela adição de batidas eletrônicas; o calypso, criado pela banda do Chimbinha e Joelma; e o bregamelody, mais próximo das raízes românticas.

Música retrata cotidiano da população urbana

O brega é um estilo que nasceu nas periferias de Belém, entretanto as festas são frequentadas não só pela população de menor poder aquisitivo, como também por pessoas das classes média e alta. Para o professor Maurício Costa, isso acontece devido a alguns fatores, como a distribuição espacial entre o que é periferia e o que é centro. "Em geral, as pessoas associam a diferença entre centro e periferia não como uma diferença espacial, mas, basicamente, como regiões com mais presença de estrutura urbana ou menor. Muitas vezes, no mesmo bairro, existem as duas coisas. Esse arranjo também torna complexa a espacialização das festas do circuito bregueiro, porque elas estão muito acessíveis e frequentá-las não significa assumir o estereótipo de bregueiro."
A diversidade de músicas e ritmos tocados nas festas de brega também ajuda na democratização do estilo. Segundo o professor, as festas de aparelhagem, ou mesmo as de cantores, apresentam repertórios para todos os gostos, até versões de músicas internacionalmente famosas. "O brega comporta todas as diferenças. Ir às festas de brega significa não só fazer parte dessa cultura, mas também participar de uma possibilidade de lazer na cidade, a qual pode ser feita por quem mora no centro ou na periferia", acrescenta Maurício Costa.
Segundo  pesquisador, as festas de brega foram decisivas para a popularização do estilo, "hoje, as festas são as opções de lazer mais visíveis em Belém". Seja em bairros da periferia ou do centro da cidade, as casas de show abrem quase todos os dias da semana, abrigando as aparelhagens, estrelas da música, e a população que vai assistir aos shows.
O conjunto de práticas culturais e também empresariais que acontecem nos espaços das diversas casas de show, distribuídas por toda Belém, constituem o que o professor chama de "Circuito Bregueiro". Ele envolve não apenas os apreciadores do brega e as aparelhagens ou artistas, mas também os donos de casas de show e as pessoas que vão trabalhar, formal ou informalmente, nos eventos.
Esse circuito é um "modelo festivo" recorrente e, juntamente com a música, retrata o cotidiano da população urbana de Belém, cria termos para depois serem inseridos no vocabulário comum, além de modos de dançar e de vestir que reforçam  a identidade regional. "O circuito bregueiro, na verdade, é um conjunto, cuja marca principal é a presença do brega paraense", explica o professor.

Festas fortalecem laços

Além de um momento de lazer, as festas de brega são um ambiente de sociabilidade, nas quais os frequentadores criam vínculos sociais e padrões de comportamento entre si. Em sua tese, o professor Maurício Costa identifica três categorias de pessoas que vão a shows de brega: o frequentador esporádico, o que vai com pouca frequência e não tem ligação com aparelhagens; o assíduo, aquele que tem conexões com uma casa, aparelhagem ou artista em especial e o especialista, ligado a clubes de fãs, galeras ou equipes.
"Em geral, os frequentadores de shows de brega são jovens que acompanham as aparelhagens não só em Belém, mas também no interior, portanto o seu universo de lazer está muito ancorado nos laços sociais que eles constroem com pessoas que frequentam o mesmo ambiente. Esse é um tipo de sociabilidade mediada pela festa. As pessoas vão não só para ouvir música e dançar, mas também para ver a multidão, que é um espetáculo à parte", diz Maurício Costa.
O livro do professor Maurício Costa é resultado de uma tese de doutorado defendida em 2004, no Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais da Universidade de São Paulo (USP). A primeira edição foi lançada em 2007, de forma independente; e a segunda, revista e ampliada pela Editora da Universidade do Estado do Pará (Eduepa), com recursos da Fundação de Apoio à Pesquisa do Estado do Pará (Fapespa).


Saiba mais sobre as aparelhagens

As aparelhagens têm um papel importante nas festas de brega, pois além de serem responsáveis pelo som, são, também, "o elo fundamental entre lazer e empreendimento nas festas", afirma o professor Maurício Costa. As primeiras aparelhagens surgiram na década de 40 e eram chamadas de sonoros, pois tocavam as músicas em shows de clubes da periferia de Belém.
No início, os sonoros tocavam todos os estilos de música. A identificação com o brega só surgiu na década de 80, em festas de galpão, nas quais o ritmo ficou popular. As festas eram chamadas de bregões.
Para o professor Maurício Costa, a aparelhagem vai além do centro de controle - conhecido como nave - e das caixas de alto-falantes de três metros. Aparelhagens, geralmente, são empresas familiares que envolvem vários tipos de serviços, como a supervisão e o fechamento de contratos, o qual é feito pelo chefe da família, dono do equipamento. Existem, também, os DJs, muitas vezes filhos ou genros do dono.Quando a aparelhagem é de grande porte, são envolvidos motoristas e carregadores para locomover do equipamento.

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Fonte: Jornal da Universidade Federal do Pará . Ano XXIV Nº 90, Janeiro de 2011. 

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