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quinta-feira, 17 de março de 2011

POEMOVIE e a poesia concreta




Mês passado entrei em contato com um texto do parceiro Guaxe, editor da Kamikases – revista literária e aluno do Curso de Letras da UFPA, e o texto não era bem um texto, ou melhor, não era apenas um texto. Tratava-se de um POEMOVIE. Ou seja, o poema de Guaxe intitulado “Álvares de Concreto”, que faz parte de seu livro de poemas "subVerso" lançado em 2008, estava em forma de filme, onde as palavras do texto seguiam numa animação que ao avançar das possibilidades de leitura, findava-se com todos os versos composto de modo a forma a figura gráfica de uma lágrima, que na medida em que o filme passava ia como se escorrendo de cima pra baixo do vídeo.
Eu já havia entrado em contato com a poesia concreta alguns anos atrás sem que a mesma me despertasse sentimento e interesse algum devido sua maneira estática e absolutamente visual de ocupar as páginas de livros.  Mas, depois de conhecer essa modalidade de poesia, acabei por gostar do resultado.
Por isso, resolvi disponibilizar aqui em Versos Rascunhos o POEMOVIE de Guaxe juntamente com dois trechos de textos didáticos sobre o Concretismo a todos os que por aqui caem.      


Em termos ainda genéricos: o Concretismo toma a sério, e de modo radical, a definição de arte como techné, isto é, como atividade produtora. De onde, primeiro corolário: o poema é identificado como objeto de linguagem: “O poema concreto é uma realidade em si, não um poema sobre.”

(Eugen Gomringer. In Alfredo Bosi. História concisa da literatura brasileira. São Paulo, Cultrix, s/d.)


 Em 1956 nasce, em São Paulo, o Concretismo, expressão mais atuante da vanguarda estética brasileira. Seu principal veículo, que inclusive o precede, é a revista Noigrandes (1952 a 1958), na qual aparecem poemas de seus lideres – Décio Pignatari, Haroldo de Campos e Augusto de Campos. O último número da revista traz o “Plano Piloto da Poesia Concreta”, assinado pelos três poetas.
Os adeptos dessa tendência consideram encerrado o ciclo do verso como unidade rítmica formal da poesia, propondo um novo agente estruturador: o espaço gráfico.
Um estrutura espaço-temporal substitui, assim, o desenvolvimento temporal linear, permitindo que os poemas sejam lidos em todas as direções, de acordo com diferentes percursos, cada leitura apontando novas possibilidades interpretativas.
Trata-se, enfim, de uma poesia predominantemente visual, que instaura novas relações sintáticas e morfológicas entre as palavras, já que explora as livres-associações fônicas e semânticas.

(Português: novas palavras: literatura, gramática, redação / Emília Amaral ... [et al.]. – São Paulo: FTD, 2000.)

quinta-feira, 10 de março de 2011

Revista Cancro, porque venéreas e cancros viveram felizes para sempre



  
Recebi através de um e-mail do parceiro Reinaldo Guaxe, editor da Kamikases – revista literária e aluno do Curso de Letras da UFPA, os últimos exemplares da Revista Cancrofanzine impresso e virtual. Uma produção independente, sem patrocínio e distribuída gratuitamente seja pela Internet e/ou impressa. Mas o que falta em apoio e incentivo sobra em artistas talentosos e contextualizados com a realidade real. A Revista Cancro conta com textos em prosa e versos. Tudo isso muito bem ilustrado em traços em preto e branco. Embora a ausência de cores possa sugerir um trabalho simplório e desinteressante, o projeto gráfico e a edição nada deixam a desejar. A criatividade e o talento sobressaem em todas as páginas, e  a possível falta de recursos para um material mais pomposo, vistoso, figuram como mero coadjuvantes frente ao trabalho apresentado. A Revista Cancro estar aberta para autores, ilustradores e patrocinadores de todos os cantos. Entrem em contato com a revista e veja vocês mesmo o que por aqui eu tentei explicar. Tenho certeza que a visita não será em vão e, sem dúvida, lá estará bem melhor explicado.

“independência ou morte, bradou o cavalo de espátula em punho. como não morremos e nem nos tornamos independentes (seja lá o que isso signifique), passamos a marchar vestidos de guerra, de carnaval e de circo. venéreas e cancros viveram felizes para sempre.
















cancro é uma publicação alternativa que se pretende mensal e gratuita (sempre que o capitalismo neoliberal assim o permitir).
cancro está aberta a colaborações de qualquer espécie, tais como: textos, ilustrações e coisas semelhantes. entre em contato: gilvieiracosta@hotmail.com
cancro não se responsabiliza. todas as opiniões expressas nesta publicação são de inteira responsabilidade do governo federal.
cancro não possui direitos reservados.
cancro é literatura para se ler cagando.






quinta-feira, 3 de março de 2011

Romance de Vidro – Mayara La-Rocque



Dando prosseguimento as minhas releitura dos textos da kamikASES – revista literária dos alunos do Curso de Letras da UFPA, 2010, ano I número I – choca-se contra Versos Rascunhos mais um kamikaze. Guiado por Mayara La-Rocque, aluna do Curso de Letras, Habilitação em Língua Francesa da UFPA, ‘”Romance de vidro” é um texto extremamente delicado, mas não se engane quanto a sua aparente e ilusória fragilidade. Pois, caros amigos e amigas da web, sua força, ataque e defesa estar justamente nisso. La-Rocque trabalha sua escrita numa mescla de sensibilidade e dureza, ou melhor, ela nos apresenta um texto nem seco e nem molhado e melado demais. Gostoso seu jogo de palavras, deixa o texto com um ritmo agradável e fácil de ler.

“Como não viu que ela era de vidro, ele pisou. E ela, sendo de vidro, quebrou. E ela, sendo de vidro cortou-se e cortou”.

Ou seja, tenham cuidado para não se cortarem e sangrarem até morrer de paixão nesse romance de afagos e dores.    

ROMANCE DE VIDRO
por Mayara La-Rocque*


LÓRI ACORDOU AINDA ERA CEDO, quando o sol ainda parecia sentir frio. Sentou à beira da cama, desprendeu-se dos lençóis ainda marcados de uma noite de desesperos molhados pelo tempo que não se viam, pelo tempo que não se amavam. Deixou seu corpo nu, estático e exposto àquele ar frio misturado com o gosto vulgar do passado. Consumiu o tempo olhando para claridade do quarto que lhe era comum vindo daquela mesma janela sem cortinas. Pensou que as cortinas já deveriam estar lá; que aquele chão não deveria se tão oco e gelado, e que a TV deveria estar desligada. Desligou a TV. Olhou para ele, em sono profundo. E vidrada em sua imagem, como se fosse dentro de um sonho, disse condensadamente e baixinho:

- Estou perdida dentro de uma fortaleza. Dentro do meu corpo que você não desbravou. Dentro dos meus pés e dedos apertados, que sempre estiveram dentro de um sapato que você não descalçou. Dentro de minha mão lisa e escorregadia que você não conseguiu segurar. Dentro dos meus pêlos e tez que você tocou, buliu, apertou, mas nunca sentiu. Dentro de cada ponta de cabelo meu que você muitas vezes acariciou, mas depois foi arrancado de um por um. Foi quando eu me revirei do avesso, e tudo amargamente fez sentido, pois você, ainda assim, não me viu.

Como se fosse num sopro, ele de súbito, despertou. E ainda quando recuperou na memória o sentido da volúpia em vê-la naquele momento, abriu um meio sorriso, sussurrou em meias palavras:

- Me diga, você é de verdade?

- Sim. Mas cuidado, que eu sou de vidro.

Ela já não mais olhava para ele, já não olhava mais para nada, a não ser para o nada. Ele voltou a dormir.
Como não viu que ela era de vidro, ele pisou. E ela, sendo de vidro, quebrou. E ela sendo de vidro cortou-se e cortou.

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*22’, graduanda, hab. Língua Francesa. Escrever para mim, é algo que sai de mim, e não que pertence a mim. É uma força que diz. É o movimento que se forma. É a folha que cai, a flor que desponta o fruto que nasce e que é comido – o sabor que é vivido em minhas mãos. Depois de longa vida e existência, é a árvore que de tão velha tomba, e no nascer de sua velhice, semeia o processo de decomposição, de sua fatídica e profunda interna desorganização, para então atravessar e trocar a toda graça do ar, de todo gás, de luz e energia, do fluído e de outros ruídos entre outros seres, de outros organismos e prazeres vindos do céu e da terra.


Mais textos da autora:



   kamikASES revista literária: é uma publicação do coletivo KamiKaze em parceria com Centro Acadêmico de Letras – CAL/UFPA. Os textos assinados são de responsabilidade dos autores e não refletem, necessariamente, opinião da revista, sendo permitida a reprodução parcial ou total de textos, fotos e ilustrações, por quaisquer meios, sem autorização, desde que citada a autoria.
contatos: coletivokamikaze@hotmail.com




CONSULTA:


LA-ROCQUE, Mayara de. “Romance de vidro”. Belém: Revista Kamikases, Universidade Federal do Pará, n.01, 2010, p.09.

sábado, 19 de fevereiro de 2011

O fazer literário de Bukowski


Charles Bukowski
(1920-2004)


Conheci Bukowski em 2007 através de um comentário feito a um conto meu no ano de 2005. Não entrei em contato de primeira com o texto. Perdi muito tempo procurando o nome Bukowski nas prateleiras da biblioteca relacionada aos russos; na internet, na época, sequer existiam citações bibliográficas do autor, então o esqueci por completo me concentrando nas minhas leituras de Machado de Assis e Clarisse Lispector, também bons demais, diga-se de passagem.
Numa das minhas idas rotineiras a biblioteca para devolver livros e pega mais, vi o título de um filme no cartaz de um cinema com uma foto que me chamou muita atenção: um homem sentado junto a uma mesa mais um imenso copo de cerveja, escrevendo de forma compenetrada num bloco de papel a sua frente enquanto uma stripper banhada de luz vermelha pousava ao fundo do cartaz em cima de um palco junto a um poste. Achei a cena bastante familiar e me aproximei para ler as informações do filme, e para minha surpresa, lá estava um trecho: "baseado na obra homônimo de Charles Bukowski". O fodido era um escritor americano a final de contas, eu pensei. Foi amor à primeira cena que se incendiaria quando os primeiros parágrafos do romance “Misto-quente” fossem devorados com a sede de um náufrago. “Misto-quente” se junto à “On the Road”, Kerouac, “Por quem os sino dobram”, Hemingway, “O apanhador no campo de centeio”, Salinger, “Suave é a noite” Fitzgerald entre tantos outros que vieram como um banquete à minha apetite voraz por algo completamente diferente daquilo que eu já tinha lido da literatura nacional e muito da internacional (exceto a dos EUA, por puro preconceito meu na época) mudou minha percepção de literatura pra sempre.
Bom, falar de Bukowski é falar de muitas coisas profundas em relação a nossa condição com ser social, moral e humana. Junto a Nietzsche tenho Bukowski como os maiores sondadores da alma humana. É melhor eu colocar um ponto final nesta nota e deixá-los com um cara que realmente manja bem o autor, o tradutor Pedro Gonzaga.

Boa leitura,

Walter Rodrigues. 



PREFÁCIO PARA O ROMANCE MISTO QUENTE DE CHARLES BUKOWSKI*



Bukowski é, atualmente, autor bastante conhecido do público brasileiro. Pelo menos uma dezena de obras suas estão traduzidas, e boa parte dos títulos disponíveis no mercado faz parte do catálogo da Coleção L&PM Pocket. Ao mesmo tempo, porém, Bukowski ainda não conseguiu se livrar do estigma de autor de segunda linha, de segundo time, um autor cujo mérito só poderia ser encontrado por leitores desajustados, inexperientes ou por jovens que vêem na literatura do autor de A mais linda mulher da cidade, direta e sem pejos, a oportunidade de encontrar situações e descrições que, em certo aspecto, parecem próximas da realidade em que vivem. E assim se estabeleceu um equívoco perdoado ao leitor comum, mas que muitas vezes é mantido pelos próprios críticos literários.
Em primeiro lugar, Charles Bukowski não é personagem-narrador de seus textos. Seus personagens são criações literárias, invenções elaboradas e não simples colagens da vida do autor. O forte caráter autobiográfico que pode, com certeza, ser encontrado ao longo de toda obra é somente meio e nunca fim. Tanto o velho safado como Henry Chinaski são alter egos ficcionais.
Em segundo lugar, a simplicidade aparente do texto, a narração direta dos eventos (tão cara a ficção americana) é ardilosamente arquitetada por um autor que domina perfeitamente as técnicas de um fazer literário. Ou seja, toda a fluência pregada pelos personagens de escritor criados por Bukowski, ainda que espelhos dele próprio – e não há reflexo mais enganoso -, é uma construção elaborada, dissimulada pelo louvor à bebida e a escrita não-convencional. Os palavrões, a escatologia, os porres homéricos são mentiras que nos convencem da verdade, mentiras que nos fazem acreditar, mentiras que tornam nossas próprias misérias suportáveis, mentiras que são a base primeira da literatura, lembrando a vigorosa idéia de Vargas Llosa.

Pedro Gonzaga

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* Texto extraído da tradução de Pedro Gonzaga da obra de Bukowski intitulada, no original, "Ham on rye" e traduzida para o nosso idioma "Misto Quente" pela editora L&PM Pocket.


UM POUCO DE BUKOWSKI


Nasceu em Andernach, na Alemanha, a 16 de agosto de 1920, filho de um soldado americano e de uma jovem alemã. Aos três anos de idade, foi levado aos Estados Unidos pelos pais. Criou-se em meio à pobreza de Los Angeles, cidade onde morou por cinqüenta anos, escrevendo e embriagando-se. Publicou seu primeiro conto em 1944, aos 24 anos de idade. Só aos 35 anos é que começou a publicar poesias. Foi internado diversas vezes com crises de hemorragia e outras disfunções geradas pelo abuso do álcool e do cigarro. Durante a vida, ganhou certa notoriedade com contos publicados pelos jornais alternativos Open City e Nola Express, mas precisou buscar outros meios de sustento: trabalhou 14 anos nos Correios. Casou, se separou e teve uma filha. É considerado o último escritor “maldito” da literatura norte-americana, uma espécie de autor beat honorário, embora nunca tenha se associado com outros representantes beat, como Jack Kerouac e Allen Ginsberg.
Bukowski morreu de pneumonia, decorrente de um tratamento de leucemia, na cidade de San Pedro, Califórnia, no dia 9 de março de 1994, aos 73 anos de idade, pouco depois de terminar Pulp.




Alguns livros do autor disponíveis na Amazon:

     


     


     





ALGUNS ESTOCADAS DO VELHO SAFADO



roll the dice

if you’re going to try, go all the
way.
otherwise, don’t even start.
if you’re going to try, go all the
way.
this could mean losing girlfriends,
wives, relatives, jobs and
maybe your mind.
go all the way.
it could mean not eating for 3 or 4 days.
it could mean freezing on a
park bench.
it could mean jail,
it could mean derision,
mockery,
isolation.
isolation is the gift,
all the others are a test of your
endurance, of
how much you really want to
do it.
and you’ll do it
despite rejection and the worst odds
and it will be better than
anything else
you can imagine.
if you’re going to try,
go all the way.
there is no other feeling like
that.
you will be alone with the gods
and the nights will flame with
fire.
do it, do it, do it.
do it.
all the way
all the way.
you will ride life straight to
perfect laughter, its
the only good fight
there is.
TRADUÇÃO...


role o dado


Se você vai tentar, tente
do contrário, nem comece.

Se você vai tentar, vá com tudo.
Mesmo que isso signifique perder namoradas,
esposas, parentes, trabalhos e
até mesmo a cabeça.
Mas siga em frente de qualquer maneira.
Mesmo que isso signifique ficar sem comer durante 3 ou 4 dias.
Mesmo que isso signifique congelar em um banco de praça.
Mesmo que signifique prisão,
Mesmo que signifique derrisão,
escárnio,
isolamento.
O isolamento é o presente,
o resto é o teste de sua resistência,
de quanto você realmente quer fazer.
E você fará
apesar da rejeição e das piores chances
E será melhor que
qualquer outra coisa
que você pode imaginar.
Se você vai tentar,
vá com tudo.
Não existe nenhum outro sentindo como
esse.
Você estará a sós com os deuses
e as noites incendiarão como fogo.
Faça, faça, faça.
Faça isso.
Empenhe-se nisso,
Empenhe-se nisso.
Então você encaminhará sua vida para
um riso perfeito, essa é a única boa
briga que existe.
Tradução: Walter Rodrigues.

nobody can save you but yourself


nobody can save you but
yourself.
you will be put again and again
into nearly impossible
situations.
they will attempt again and again
through subterfuge, guise and
force
to make you submit, quit and/or die quietly
inside.
nobody can save you but
yourself
and it will be easy enough to fail
so very easily
but don’t, don’t, don’t.
just watch them.
listen to them.
do you want to be like that?
a faceless, mindless, heartless
being?
do you want to experience
death before death?
nobody can save you but
yourself
and you’re worth saving.
it’s a war not easily won
but if anything is worth winning then
this is it.
think about it.
think about saving your self.

Tradução...
ninguém pode salvá-lo, a não ser você mesmo


ninguém pode salvá-lo,
a não ser você mesmo.
será colocado, por vezes e vezes,
em situações quase impossíveis.
tentarão, por vezes e vezes,
todos os subterfúgios, forma e
força
que façam-no ceder, desistir e/ou morrer por dentro,
calmamente.
ninguém pode salvá-lo,
a não ser você mesmo.
e será fácil suficiente cair,
muito fácil.
mas não caia, não caia, não.
apenas assista-os.
escute-os.
você quer ser como eles?
seres sem face, sem mente,
sem coração?
quer saber o que é morrer
antes de morrer?
ninguém pode salvá-lo,
a não ser você mesmo.
e você merece ser salvo.
é guerra que não se ganha facilmente
mas, se é que haja vitória merecida,
então esta é.
pense sobre isso.
pense sobre salvar sua alma.
traduzido por Hilam A na Grama

sábado, 5 de fevereiro de 2011

kamikASES lançados contra a perpetuação de uma escrita caduca





- Machado de Assis – continuou Samantha -, escreveu sobre a sociedade de sua época de forma irônica, e se aprofundou no psicológico de suas personagens sem precisar ser vulgar e baixo. 
- O problema, Samantha – reagi bastante ofendido. – É que a mentalidade desse país ainda acredita que para um texto ser verdadeiro, profundo e sério, ele precisa antes de tudo ser enfeitado pela obscuridade. Quando que na verdade uma idéia sincera e profunda tende a ser clara e compreensível. Minhas narrativas têm um propósito, mensagens a ser passadas. Não me venha com essa conversa de escrever com um Português fiel aos princípios porque nem eu, nem tu e nem Machado de Assis usamos essa droga. Se o Português fosse tão fiel aos seus princípios, Samantha, com certeza ele continuaria Latim. E eu já estou de saco-cheio de Machado de Assis! (RODRIGUES, 2009, p.220-221)


O conto que vocês estão prestes a ler é de autoria de Charles Alves, estudante do curso de Letras da UFPA. O texto em questão faz parte da revista literária kamikASES -ISSN 2178-1559 – Ano I, Edição n° 1, que juntamente com mais 18 textos de diferentes gêneros formam a revista dos alunos do curso de Letras da UFPA. Ainda pretendo disponibilizar os demais textos aqui.
Por tanto, começo com o primeiro texto da revista: O conto A CARONISTA de Charles Alves. Texto porrada, que prende a gente à página da primeira a última letra. Pauline e Paulo eis o encontro mais engraçado que eu já tive a oportunidade de ler. Dois personagens que de tão bem construídos suspeitamos se não andam por aí mesmo. Em carne e osso. Pauline, “a bicha mais feia dessas bandas do mundo” pedindo carona às duas da madrugada, e Paulo dirigindo o seu caminhão em alta velocidade pelas BRs da vida, embriagado, mas sem cigarros e sem uma foda para confortar sua alma.
Em minha opinião, este texto de Charles Alves, deixa transparecer a essência e o brado libertário que a revista transborda desde sua capa curiosa (retirada da propaganda do xarope São João, 1912, onde se observa um sujeito oprimido por força maior, embora tentado lutar, e as palavras em caixa alta como se saindo aos berros de sua cabeça, pois de sua boca não podia “LARGA-ME… DEIXA-ME GRITAR!”), passando pelo editorial Torpedos”, aqui postado, que eu considero um verdadeiro Manifesto contra toda forma de tentativa de subjugação à escrita a padrões estilísticos retroativos, criando desse modo uma literatura de fundo falso, ou de fachada, onde se vêem as coisas aparentemente bonitas e bem pintadas, o que se quer que se veja, mas que no fundo é desprovida de conteúdo, realidade real. Ignorando que: a arte transcende, a arte se [sub]verte e se [re]cria numa seqüência histórica [auto]remissiva de signos interpretantes… a arte é perigosa   (SANTOS e SANTANA, 2010, p.04).
     
Seja com for, agora, finalmente, peguem carona com A CARONISTA.


A CARONISTA
por Charles Alves*


Dirigia a 90 km por hora, completamente embriagado pela estrada a qual apenas seus faróis altos iluminavam. A garrafa de whisky vagabundo já ia pela metade e estava depositada no banco do passageiro. Não tinha medo de dormir, já haviam cochilado no volante antes e isso nunca o impediu de chagar onde queria. Seu caminhão ia sempre retilíneo pela estrada que parecia uma lança cravada no meio da mata, no meio do nada. Do lado direito, mato, e do esquerdo, mato.
Já era duas da manhã, há duas horas ele havia fumado o último cigarro e desde então não passou por lugar nenhum que tivesse uma carteira de qualquer merda para vender, e ainda faltava pelo menos duas até chegar a qualquer lugar onde pudesse encontrar alguém. Não que quisesse alguém em especial, mas naquela noite havia decidido que não dormiria no banco do caminhão de novo, e sim com uma putinha requenguela qualquer cuja companhia não passe de 30 reais.
Viu algo estranho mais a frente, foi diminuindo a velocidade, se atropelasse algum bicho desgraçado que amassasse seu pára-choque, a noite estaria realmente arruinada. Mas não era bicho, pelo menos não parecia enquanto o caminhão se aproximava a 40 por hora, era… era… Alguém? Que diabos alguém estaria fazendo nessa BR do diabo às duas da manhã pedindo caroba? Ah, foda-se, já estava bêbado mesmo, parou o caminhão, a porta se abriu e o caronista entrou.
Rapaz de seus vinte e poucos anos, vestido de uma mini-saia rosa gritante e um bustiê verde, sorriu um sorriso de quatro dentes ao entrar no caminhão.
“Boa noite senhor?” disse de modo afetado “estás indo para lá?” apontou pra única direção possível. O motorista pensou: “além de bicha ainda é burra”.
Acenando positivamente com a cabeça, ligou o motor enquanto analisava a recém adquirida carga. Estava realmente chocado com a aparência do caronista. O que lhe chocava não era a pouca idade, ele podia ser seu filho (e de fato, seu filho mais velho deveria ter essa idade). O que lhe incomodava no rapaz era pura e simplesmente sua feiúra, sim, sua feiúra, pois era feio de doer. Seu rosto moreno estava coberto por marcas de espinhas mal espremidas e inflamadas, seu cabelo maltratado estava pintado de uma cor que de tão desbotada lhe lembrou do que cagou pela manhã, e percebeu assim que este entrou sorrindo no caminhão que só possuía 4 dentes na parte superior da boca, seu corpo era magro e cheio de marcas velhas do que pareciam ser antigas piras, sem dúvida era a bicha mais feia que ele já tinha visto, tão feia que ele ficou sóbrio na hora, e foi com grande surpresa que percebeu que estava de pau duro.
Tentou perguntar alguma coisa, mas de tanta consternação as palavras morreram em sua boca, em seus 44 anos de idade nunca havia tido qualquer tipo de atração por indivíduos do mesmo sexo, em bares, dizia em alto e bom tom o quanto achava ridículo esse tipo de comportamento e repetia sempre que o único remédio pra curar viadagem era aplicado com umas boas porradas. Mas agora estava ali, sentado do lado de uma bichinha fulêra e não conseguia disfarçar que estava de pau duro. PAU DURO!!! gritava silenciosamente para si mesmo, “tenha vergonha seu velho, pelo amor de Deus, estás de pau duro!! Velho, pelo amor de Deus, estás de pau duro!!”.
Controlou-se dando profundas inalações de ar, olhou de soslaio para o caronista e percebeu que este havia percebido a vergonhosa situação na qual estava. Teve vontade de encher aquele moleque sem-vergonha de porrada, mas ignorou tudo ao redor e começou a pensar em milhares de coisas, câncer no estômago, a megera de sua sogra, ferida com pus, e assim conseguiu se controlar até que sentiu o volume da calça diminuir gradativamente. Quando se sentiu mais à vontade, virou para bichinha pra dizer alguma coisa, mas assim que viu aquela face horrenda olhando de volta para ele, a tensão em sua barriga aumentou e seu pau ficou duro de novo.
“Não tem jeito” pensou ele “vou ter que comer esse viado”.
“Hummmm…” começou ele em tom grave  “se vamos acompanhar um ao outro, poderíamos ao menos nos apresentar, não é? Meu nome é Paulo e o seu?”
A bichinha olhou para ele com um olhar estrábico de alegria contida “nossa, que coincidência, o meu também!” um silêncio incômodo pairou sobre os dois e se seguiu por mais dois ou três kilômetros , até que o ambiente se tornou tão denso que o caronista arriscou “Senhor, Paulo, o senhor se incomoda se eu acender um cigarro?”
“Só se você tiver um para me dar, Paulo?”
A tensão sumiu no ar como malandro que é pego pela polícia rodoviária.
“Pode me chamar de Pauline.” Foi a resposta do caronista seguido por um “Mas esse é o meu último.” antes que qualquer pensamento se instalasse na cabeça do motorista as palavras saíram mais rápidas que sua vontade “Então bora deixar pra depois da foda!”.

Silêncio.

Pauline momentaneamente tensa, mas isso não durou muito, como macaca velha de estrada anunciou de supetão “300 reais!” o caminhão quase saiu da estrada, acompanhado por um estrondoso “FILHO DA PUTA!!!” mas logo o volante estava sob controle.
Com a cara fechada de raiva, Paulo parou o caminhão e logo disse “sua bichinha de merda, tá achando que esse teu rabo escroto é de ouro? Ou tu me dá essa merda ou te encho de paulada  e te jogo aqui mesmo na estrada!” era o fim das negociações.
Pauline fez um biquinho de magoada que só serviu para piorar as feições já admoestadas de seu rosto e para aumentar a raiva do motorista, que a essa altura já estava com a calça para explodir  “O que vai ser?” era o ultimato.

Interlúdio

O mundo da estrada possui leis e mandamentos que só são entendidos pelos seus habitantes, é ambiente novo e perigoso para aqueles que não estão acostumados aos seus caprichos e devaneios. Habitado por motoristas de ônibus intermunicipais, caminhoneiros, traficantes, salteadores, vagabundos, putas e caronistas, possui seus próprios códigos de condutas que não estão escritos em nenhum códex de leis, mas que é de acordo comum entre todos seus habitantes.
Um dos principais e inabaláveis códigos é o que diz respeito à carona, e é mais ou menos assim:
Não importa se o motorista está indo para o mesmo lugar que o caronista, nada vem de graça nesse mundo, nem o pão, nem a cachaça, portanto, há a necessidade de uma troca, pode ser uma graninha, uma informação valiosa ou no mínimo, um boquetinho. Quem não respeita esse código está à mercê dos caprichos da estrada, e não se engane, nem a mais reles criatura se encontra á prova dessa troca, nem mesmo Pauline, a bicha mais feia dessas bandas do mundo.

Fim do interlúdio

Os dois seguiram para trás do caminhão, para a área de carga, a qual Paulo abriu e Pauline adentrou primeiramente. A área de carga fedia a cocô de cabra e serragem molhada. Lá dentro, no escuro, meia dúzia de cabras se acotovelavam e berravam assustadas quando a aberração humana adentrou o recinto fazendo uma cara de nojo que, pasmem, a deixava ainda mais horrenda. Paulo entrou logo em seguida gritando imprecações para os quadrúpedes idiotas, segurou Pauline por trás, pela cintura e com um gesto violento a derrubou no chão e lhe deferiu um chute nas costelas que a fez encolher-se de dor, logo em seguida debruçou-se sobre a bichinha depositando todos os seus 87 quilos em suas costas.
Foram 3 horas de berros e gritinhos de dor e prazer no final. O sol se levantava no horizonte iluminado o caminhão inerte á beira da estrada. Paulo foi o primeiro a sair da traseira do caminhão, com uma expressão impassível deixou a porta aberta e foi seguindo para a cabine, onde se sentou no volante e ficou olhando o sol nascer. Pauline saiu logo depois, toda escabelada, mas com um sorriso de mona lisa com malária no rosto, saiu ajeitando a saia curtinha, trancou a porta da traseira e seguiu para boléia, sentando-se ao lado de seu amante.
Os dois seguiram juntos pela estrada por duas horas sem dizer uma palavra, até chegar à cidadezinha de Santa Inês, onde fatalmente se separariam. Paulo parou no posto, Pauline abriu a porta olhou para ele “Adeus meu Ursão” e assim desapareceu às 7 da manhã naquele fim de mundo.
Paulo abaixou a cabeça, sentindo um estranho aperto no peito, encheu o tanque e seguiu viagem. Percebeu que Pauline esquecera (ou deixara de presente) uma carteira amassada de cigarro no banco. Paulo pegou o último cigarro estropiado e sem tirar a mão do volante o acendeu, relembrando da noite passada, deu uma tragada e depois jogou o cigarro pela janela.
“Filho da merda! Cigarro mentolado é pra bicha!”
Deixando poeira para trás, seguiu na estrada até sumir onde a vista não alcança.



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* [dez’ 1983], criança magrela e cabeçuda, chorava por tudo. Aos 2 anos gostava de jogar cocô nos seus primos, aos 4 anos já sabia fazer chantagem emocional, aos 7 seu pai lhe ensinou o que era a mentira, aos 10 anos descobriu a amizade e aos 11 a traição. Aos 14 anos viu uma mulher nua (que não fosse sua parenta) pela primeira vez. A bebida descobriu aos 16 e a caneta aos 17. Desde então dedica seu tempo a ler e escrever e em horas forçadas estuda Letras na UFPA.


kamikASES revista literária: é uma publicação do coletivo KamiKaze em parceria com Centro Acadêmico de Letras – CAL/UFPA. Os textos assinados são de responsabilidade dos autores e não refletem, necessariamente, opinião da revista, sendo permitida a reprodução parcial ou total de textos, fotos e ilustrações, por quaisquer meios, sem autorização, desde que citada a autoria.
contatos: coletivokamikaze@hotmail.com





Publicado também no Portal Literal!




CONSULTAS BIBLIOGRÁFICAS


RODRIGUES, Walter. Correndo atrás. Ed. Multifoco. Rio de Janeiro: 2009, p.220-221. 

SANTOS, Francisco Ewerton dos; SANTANA, Reinaldo “guaxe”. “Torpedos”. Belém: Revista Kamikases, Universidade Federal do Pará, n.01, 2010, p.03-04.

ALVES, Charles. “A caronista”. Belém: Revista Kamikases, Universidade Federal do Pará, n.01, 2010, p.05-07.


segunda-feira, 10 de janeiro de 2011

Circuito bregueiro conquista a cidade

Os irmãos Edilson e Edielson comandam a parelhagem Mega Príncipe
 
por Dilermando Gadelha
foto Tarso Sarraf
 
A palavra "brega" geralmente está ligada ao mau gosto, àquilo que é esteticamente feio ou de valor inferior. Em algumas regiões do Brasil, como o centro-sul, brega também é uma música romântica, "piegas", representada por grandes nomes da música popular brasileira, como Reginaldo Rossi e seu clássico "Garçom, aqui nessa mesa de bar..."
No Estado do Pará, o termo ganhou novos significados. O brega está associado a um ritmo caracterizado pela fusão entre o romântico e o dançante, com influências do bolero, merengue, twist, Iê-iê-iê e sons caribenhos muito escutados nas rádios da capital paraense na década de 50, como explica Antônio Maurício Costa, professor da Faculdade de História da UFPA e autor do livro Festa na Cidade: O Circuito Bregueiro de Belém do Pará.
"O brega é um herdeiro do bolero, muito apreciado nas festas da periferia de Belém, na segunda metade do século XX. As várias influências musicais vindas dos Estados Unidos, Caribe e América Latina acabaram colaborando para que se produzisse uma originalidade criativa na música de compositores da terra, dando origem ao brega paraense, sem ligação direta com o brega feito no Centro-Sul do País", Maurício Costa.
O estilo surgiu em meados dos anos 60 e passou a ocupar um espaço maior nos veículos de comunicação a partir da década seguinte, graças a duas gravadoras de som. A Rauland e a Grava Som foram as responsáveis por produzir os primeiros discos no estilo, rotulando-os de música brega e levando ao estrelato nomes como Ted Max e Mauro Cota. Nessa época, o ritmo era caracterizado pela batida dançante e pelo romantismo da letra.
A partir da década de 80, o ritmo passa por uma reformulação: as guitarras se tornam importantes para o Brega Pop, principalmente com o chacundum, uma batida especial criada por Chimbinha, guitarrista da banda Calypso. Os anos 2000 trazem a terceira fase do estilo, que, com mais autonomia do rótulo "brega", passa a ter três vertentes: o technobrega, caracterizado pela adição de batidas eletrônicas; o calypso, criado pela banda do Chimbinha e Joelma; e o bregamelody, mais próximo das raízes românticas.

Música retrata cotidiano da população urbana

O brega é um estilo que nasceu nas periferias de Belém, entretanto as festas são frequentadas não só pela população de menor poder aquisitivo, como também por pessoas das classes média e alta. Para o professor Maurício Costa, isso acontece devido a alguns fatores, como a distribuição espacial entre o que é periferia e o que é centro. "Em geral, as pessoas associam a diferença entre centro e periferia não como uma diferença espacial, mas, basicamente, como regiões com mais presença de estrutura urbana ou menor. Muitas vezes, no mesmo bairro, existem as duas coisas. Esse arranjo também torna complexa a espacialização das festas do circuito bregueiro, porque elas estão muito acessíveis e frequentá-las não significa assumir o estereótipo de bregueiro."
A diversidade de músicas e ritmos tocados nas festas de brega também ajuda na democratização do estilo. Segundo o professor, as festas de aparelhagem, ou mesmo as de cantores, apresentam repertórios para todos os gostos, até versões de músicas internacionalmente famosas. "O brega comporta todas as diferenças. Ir às festas de brega significa não só fazer parte dessa cultura, mas também participar de uma possibilidade de lazer na cidade, a qual pode ser feita por quem mora no centro ou na periferia", acrescenta Maurício Costa.
Segundo  pesquisador, as festas de brega foram decisivas para a popularização do estilo, "hoje, as festas são as opções de lazer mais visíveis em Belém". Seja em bairros da periferia ou do centro da cidade, as casas de show abrem quase todos os dias da semana, abrigando as aparelhagens, estrelas da música, e a população que vai assistir aos shows.
O conjunto de práticas culturais e também empresariais que acontecem nos espaços das diversas casas de show, distribuídas por toda Belém, constituem o que o professor chama de "Circuito Bregueiro". Ele envolve não apenas os apreciadores do brega e as aparelhagens ou artistas, mas também os donos de casas de show e as pessoas que vão trabalhar, formal ou informalmente, nos eventos.
Esse circuito é um "modelo festivo" recorrente e, juntamente com a música, retrata o cotidiano da população urbana de Belém, cria termos para depois serem inseridos no vocabulário comum, além de modos de dançar e de vestir que reforçam  a identidade regional. "O circuito bregueiro, na verdade, é um conjunto, cuja marca principal é a presença do brega paraense", explica o professor.

Festas fortalecem laços

Além de um momento de lazer, as festas de brega são um ambiente de sociabilidade, nas quais os frequentadores criam vínculos sociais e padrões de comportamento entre si. Em sua tese, o professor Maurício Costa identifica três categorias de pessoas que vão a shows de brega: o frequentador esporádico, o que vai com pouca frequência e não tem ligação com aparelhagens; o assíduo, aquele que tem conexões com uma casa, aparelhagem ou artista em especial e o especialista, ligado a clubes de fãs, galeras ou equipes.
"Em geral, os frequentadores de shows de brega são jovens que acompanham as aparelhagens não só em Belém, mas também no interior, portanto o seu universo de lazer está muito ancorado nos laços sociais que eles constroem com pessoas que frequentam o mesmo ambiente. Esse é um tipo de sociabilidade mediada pela festa. As pessoas vão não só para ouvir música e dançar, mas também para ver a multidão, que é um espetáculo à parte", diz Maurício Costa.
O livro do professor Maurício Costa é resultado de uma tese de doutorado defendida em 2004, no Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais da Universidade de São Paulo (USP). A primeira edição foi lançada em 2007, de forma independente; e a segunda, revista e ampliada pela Editora da Universidade do Estado do Pará (Eduepa), com recursos da Fundação de Apoio à Pesquisa do Estado do Pará (Fapespa).


Saiba mais sobre as aparelhagens

As aparelhagens têm um papel importante nas festas de brega, pois além de serem responsáveis pelo som, são, também, "o elo fundamental entre lazer e empreendimento nas festas", afirma o professor Maurício Costa. As primeiras aparelhagens surgiram na década de 40 e eram chamadas de sonoros, pois tocavam as músicas em shows de clubes da periferia de Belém.
No início, os sonoros tocavam todos os estilos de música. A identificação com o brega só surgiu na década de 80, em festas de galpão, nas quais o ritmo ficou popular. As festas eram chamadas de bregões.
Para o professor Maurício Costa, a aparelhagem vai além do centro de controle - conhecido como nave - e das caixas de alto-falantes de três metros. Aparelhagens, geralmente, são empresas familiares que envolvem vários tipos de serviços, como a supervisão e o fechamento de contratos, o qual é feito pelo chefe da família, dono do equipamento. Existem, também, os DJs, muitas vezes filhos ou genros do dono.Quando a aparelhagem é de grande porte, são envolvidos motoristas e carregadores para locomover do equipamento.

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Fonte: Jornal da Universidade Federal do Pará . Ano XXIV Nº 90, Janeiro de 2011. 

sexta-feira, 3 de setembro de 2010

KamikASES é o nome da mais nova revista literária do Brasil


Por Walter Rodrigues.


Ontem, 02 de setembro de 2010, eu tive o prazer de prestigiar o lançamento da revista literária dos alunos de Letras da Universidade Federal do Pará, a revista Kamikases, que contou com o apóio e o patrocínio da Pró-reitoria de Extensão – PROEX e da Diretoria de Assistência e Integração Estudantil – DAIE.

Os autores da primeira edição da revista estavam quase todos lá, emocionados, falando sobre as dificuldades e as superações até a publicação. Contos, poemas, crônicas, história em quadrinhos, artigos e uma crítica cinematográfica sobre o filme “Nós que aqui estamos por vós esperamos”, Brasil 1998, de Marcelo Masagão, compõe esta singular e ousada revista literária.

Digo singular pelo fato de ser a primeira revista literária que leio e até mesmo ouço falar aqui na cidade de Belém; e ousada pelo fato de alguns de seus autores apresentarem uma expressão artística para além dos dogmas estéticos da linguagem amordaçada e presa a moldes ainda provincianos.


“Acreditamos que não, acreditamos que necessitamos da expressão e comunicação Libertária, sem nos preocuparmos com juízos de valor, sem nos preocuparmos se agradamos ou desagradamos, sem nos preocuparmos se ferimos morais ou convicções quaisquer que sejam, sem nos preocuparmos com a crítica, até porque, para haver crítica, é preciso que alguém ouça nosso grito. Melhor gritar e ser ouvido, ainda que desagradando, incomodando, do que permanecer eunucamente mudo e servil.”


O trecho acima nos dá uma palinha da força desses jovens autores. Um grito, um brado que só mesmo alguém que passou muito tempo acorrentado poderia dar. Estas palavras me fizeram lembrar um grande mestre da literatura universal, Charles Bukowski, que em sua época já antevia uma língua inglesa americana renovada, superando velhos moldes em busca de uma nova forma de expressão mais livre e americana:


“ - Acredito que a língua inglesa é a forma mais expressiva e contagiante de comunicação. Para começar, deveríamos ser gratos por possuir essa dádiva única que é ter uma grande língua. E se nós a desmerecemos, estamos desmerecendo a nós mesmos. Por tanto, vamos escutar com cautela, tomar conhecimento de nossa herança, mas ainda ter a ousadia de explorar e assumir os riscos da renovação da linguagem...”

(...)

“ - Devemos esquecer a Inglaterra e o uso que fazem da língua que temos em comum. Ainda que a utilização que os britânicos fazem da língua seja refinada, nossa variante americana contém muitos poços profundos cheios de recursos ainda não explorados. Esses recursos continuam desconhecidos. Deixem chegar o momento apropriado e os escritores apropriados que um dia haverá uma explosão literária...”

(...)

“ - Nossa cultura americana – ela disse – está destinada à grandeza. A língua inglesa, agora tão limitada, presa à sua estrutura, será reinventada e aperfeiçoada. Nossos escritores usarão o que poderíamos, creio eu, de americanês...”

(...)

“ - Cada vez mais descobriremos nossas próprias verdades e nosso modo próprio de falar, e essa voz estará despojada de velhas histórias, de velhos costumes, de sonhos velhos e inúteis...”


Quando pela primeira vez entrei em contato com a literatura, foi com um romance de Machado de Assis, e confesso, senti um estranhamento constrangedor. Sua voz parecia vim de muito, muito longe. Bom, concluir que livros eram para pessoas cultas e não para mim. Até que em meu aniversário de 18 anos, minha mãe me presenteou com “O Alquimista”, de Paulo Coelho. Li o livro em um dia, e ali entendi que livros poderiam ser legais e até mesmo vitais. Claro, que através dos livros de Paulo Coelho eu descobriria um universo de escritores. Tão bons em suas literaturas que meu autor favorito acabaria sendo deixado de lado, por agora eu o achar insuficiente para a minha ganância literária. Paulo Coelho já não me diria muita coisa, mas me serviu de portal para adentrar nesse maravilhoso mundo das palavras.

Esta pequena biografia exemplifica uma situação corrente em nossa sociedade: leitores sendo iniciados com autores e textos ultrapassados. Certamente isso espanta a maioria, lembro o quanto terrível e exaustivo foi-me ler “Amor de Perdição” de Camilo Castelo Branco para o Vestibular. Esta questão de leituras obrigatórias é um outro problema para o acesso de novos leitores no mundo da literatura. A verdade é que mais espantamos os interessados do que os seduzimos. Mas isso já é uma outra questão.

Com papel, edição e diagramação de alta qualidade, a Revista Kamikases, vem encher uma lacuna que há muito tempo esteve na expressão literária local. Esperamos que a revista não fique apenas restrita ao ambiente acadêmico, pois dessa forma ela estaria abafando sua notável grandeza e missão. Que ela possa estar presente nas bibliotecas públicas, nas bancas de revistas... enfim, que ela possa estar aberta para o público em geral, que embora sabermos ser bastante reduzido. Muitas vezes ouvir alguns escritores locais se queixarem que no Pará as pessoas não liam e não valorizavam os escritores da terra. Será que a culpa seria mesmo das pessoas que não liam os escritores da terra? Ou seria dos escritores e suas literaturas?

Há tempos eu sonhava em ler algo de algum autor paraense com a leveza, a universalidade e a liberdade de “A caronista” de Charles Alves e “Roxy” de Francisco Ewerton dos Santos.

Para ser mais emotivo e sincero, enchi-me de orgulho e esperanças ao ler esta revista. As coisas no mundo das letras paraense parecem estar mudando, e isso é bom. Parabéns a todos vocês que nos presentearam com esta revista!


Contato: coletivokamikaze@hotmail.com



REFERÊNCIAS

BUKOWSKI, Charles; Misto-quente. Tradução de Pedro Gonzaga. Editora L&PM Pocket, 2007.

kamikASES revista literária - ano I 2010. Edição n° 1. ISSN 2178-1559.