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quarta-feira, 7 de dezembro de 2016

Talvez tudo isso seja sobre ir em frente até não poder mais...




A noite gira devaneios obtusos em espirais nicotinadas.
O meu copo se recusa a esvaziar nessas idas e vindas de recordações fragmentadas.
É retrocedendo que se avança com saltos e piruetas espiraladas.
O mesmo caminho que vai  não é o mesmo que volta.
O que vai sempre retornará, mas sempre retornará diferente.
O que foi, o que é e o que ainda será são faces de uma mesma moeda que gira no vácuo,
Infinitamente, duas faces mescladas pela velocidade centrípeta.
Quem nós somos de fato? Um amontoado de antecedentes, cravados de incertos posteriores inefáveis. Queremos e achamos ser mais do que realmente somos. E o que somos? E que diferença isso faz?
Talvez tudo isso seja sobre ir em frente até não poder mais...

(Walter Rodrigues)

sexta-feira, 1 de abril de 2016

Era mais uma daquelas tarde de chuva na cidade



Era mais uma daquelas tardes de chuva na cidade. O trânsito intenso e lento fazia com que as horas em contra gotas passassem. Tudo era uma mescla de apatia e resignação. Os ônibus passando lotado para os municípios de entorno a Belém. Seguíamos para Ananindeua, Marituba, Santa Bárbara, Benevides, Benfica... Era assim cotidianamente na Região Metropolitana de Belém. Um vai-e-vem enfadonho e banalizado.  Restava-nos olhar pela janela ou nos espremermos entre bundas, pernas e sovacos fedorentos nos ônibus lotados e abafados.  O olhar das pessoas era um deserto profundo de solidão, cansaço e conformidade. Havia apenas um desejo latente: chegar em casa.
Foi quando um senhor de meia idade sentou-se ao meu lado. Eu havia conseguido a sorte grande de pegar um ônibus quase vazio.
- Vou sentar aqui do seu lado, mas não vou incomodar seus estudos – falou-me o senhor sentando-se e arrumando suas sacolas de compras entre suas pernas.
Assenti com a cabeça e continuei rabiscando um texto que jamais conseguiria finalizar ali.
- Posso te fazer uma pergunta? – virou-se para o meu lado o senhor com gestos imperativos.
Novamente assenti com a cabeça e tentei batalhar mais algumas palavras no meu caderno de anotação.
- Acho isso que está acontecendo muito injusto! – enfatizava ele com profundo sentimento na entonação de sua voz arrastada. Ali comecei acreditar que aquele autêntico senhor estava um tanto quanto embriagado.  
Fechei meu caderno e olhei para ele com profunda compaixão e interesse na sua dor pessoal. Eu ainda continuava a ser uma maldita esponja de sentimentos alheios.
- Depois de tudo que o presidente Lula fez e toda essa coisa que tão falando dele ai. Não é justo. Minha filha vai se forma em Geologia esse ano e viajou pra fora do país graças ao governo dele. Nunca um filho de pobre teve essa chance que teve agora... Não é justo!
Ele realmente estava muito abalado com o cenário político do Brasil naquele momento. E tinha na figura do governo algo bastante positivo, paternalista e sua insatisfação era muito grande.
- Eu sou operário, ganho menos de um salário por mês – continuou ele agora aos berros – e mesmo assim minha filha vai se forma! O Fernando Henrique que é estudado não é chamado pra dar palestras na Europa, mas o Lula que é um quase analfabeto é convidado pelas melhores universidades do mundo pra falar. Isso que é a raiva deles! Isso que eles não engolem!
A situação era bastante inusitada. Meu caderno já estava fechado fazia alguns minutos. Eu sabia que ele não pararia de falar.
Apanhar esses ônibus que vem da Universidade Federal é bastante complicado. As pessoas pensam que porque estamos com o caderno aberto ou com um livro aberto ou com mochila somos um acadêmico de merda.  E o pior é quando passamos a viagem inteira ouvindo estudantes empolgados a falar rasteiramente o que leram em suas apostilas tiradas na cópia como se fossem coisas mais importantes do mundo e fruto de um intenso estudo sobre.
- Qual é o seu nome, rapaz – perguntou-me ele.
No que eu rapidamente respondi: - Álvares, senhor...
- Pois bem, Álvares. Você não concorda comigo? – fuzilou-me ele com essa pergunta e com o seu olhar bastante vidrado e cheio de certezas absolutas sobre o que falava.
Apenas olhei para ele e baixei a cabeça. Eu odiava todo o sistema político nacional e acreditava que somente uma radical estruturação desse sistema de governar poderia de fato dar em alguma mudança. Mas naquele momento eu só queria escrever sobre a lógica realista descritas pelas putas do centro da cidade de Belém e sobre a calmaria que é beber uma gelada às margens da Baía do Guajará na orla do Ver-o-Peso às 5:30 horas da tarde.
- Você nem parece que é da Universidade! – esbravejou ele – Não sabe discuti política! Qual é o seu problema, rapaz? Que olhar triste é esse? Você não é um derrotado.
- Acho que eu não estou em uma competição. Eu não busco ganhar algo, ser um vencedor na vida. Deixo isso para os outros. O senhor não acha que tem gente demais querendo vencer na vida?
- Você faz que curso na Universidade?
- Nenhum. Não confio no conhecimento universitário. Pois tudo que forma, forma alguma coisa num molde. Definir o que as pessoas são é nojento, injusto e imoral. Eu me recuso ser rotulado como produto e vendido no mercado de trabalho como peça para alavancar todo esse sistema podre que estamos vivendo hoje.
- Você não diz coisa com coisa. Eu até que tava meio que porre, mas já até fiquei bom. Você, Álvares, precisa de umas boas doses de cachaça e principalmente de uma boa trepada com uma boa boceta. Vou descer aqui antes que eu dei um pau nessa tua cara de lua cheia, seu doido.

E assim aquele nobre senhor desceu o coletivo sem olhar pra trás. Suas palavras finais mexeram comigo e eu só pensava seriamente que talvez eu estivesse realmente precisando de uma boa trepada...

(Walter Rodrigues)

sexta-feira, 9 de outubro de 2015

E como está sua mente?



A propulsão das turbinas de minha maldita necessidade insana pelo intransponível recai sobre desígnios frustrados de sonhos pré-moldados e alicerçados na areia.
Versos sem métrica, sem rimas e sem poesia.
Vida ligeiramente disforme adquirindo forma rapidamente.
Para onde avançar em terrenos hostis? Fica a necessidade do voo.
- E como está sua mente? – perguntou-me Daniel.
- Tranquila – respondi.
O que o resto da humanidade está fazendo agora?  Provavelmente muita merda em todos os sentidos.
 A escrita jorra de uma rocha ferida pelo um cajado de um profeta que anuncia novos tempos sobre a face da terra. 
Para onde correr quando todos os caminhos insistentemente nos levam para o mesmo lugar?
Fica a necessidade do voo.
- E como está sua mente? – perguntou-me Daniel.
- Tranquila – respondi.

(Walter Rodrigues)

Imagem: Pixabay

domingo, 14 de dezembro de 2014

Do alto do terminal da Folha 32


Para Viviane Corrêa Santos

Meus versos amputados rastejam-se sobre finas lâminas de navalhas.
A cidade média de papel suspenso, ora eleva-se no horizonte; ora alinha-se ao nível do Itacaiúnas e do Tocantins.
Marabá de minhas certezas desesperadamente pretendidas certas, cujo trem abarrotado de esperanças contraditórias leva e eleva e suprime infinitos gritos inaudíveis de tudo o que seu solo já não pode oferecer.
E do alto do terminal da Folha 32, o Itacaiúnas manda seu cheiro e frescor enquanto você, meu Amor, avança pela deserta e bem pavimentada Transamazônica.
A cidade toda iluminada se estende como um grande lençol cintilante sobre um imenso corpo irregular.

Enquanto o ônibus atrasado alinha-se à baia de embarque trazendo-me uma terrível solidão. E o desejo de não embarcar destroça-me retrocedendo os momentos de paz que é possível alcançar plenamente nos braços de quem amamos.

Texto e foto: Walter Rodrigues.

terça-feira, 30 de setembro de 2014

Quando os mortos saem para se embriagar



Era mais um daqueles dias de pensamentos pastosos. Para onde seguir em situações semelhantes? Não havia para onde escapar. O vento que vinha do Rio Guamá caía sobre minha face eternamente fadigada me levando para bem longe daquele ambiente academicista. Foi quando Luiz encontrou-me sentando sobre o muro de arrimo que tentava em vão conter a fúria daquele gigantesco rio. O sol já começava a declinar e a brisa da noite já se mostrava apetitosa e cheia de segundas intenções.
- Álvares, parceiro – falou-me ele. – Que bebes aí?
- Uma garrafa de cachaça – respondi passando um gole pra ele.
- Puta-que-pariu! Não sei como tu consegues beber isso sem nem mesmo fazer cara feia.
- Minha cara já é feia naturalmente.
Assim aquela garrafa começou a secar mais rápido do que refrigerante em copo de criança. Sabíamos que as coisas não estavam fácies para nenhum de nós dois e para quase todo o mundo. Por que se insisti tanto em vencer na vida? Por que as coisas que não precisamos precisam ser alcançadas? Um carro do ano, um mestrado, uma viagem para Europa, um celular de última geração, um computador porrada... Alguma coisa me fazia senti tanta raiva disso tudo que, não diferente do meu amigo Luiz, eu também gostaria que tivesse um novo começo e que essa sociedade na qual vivemos jamais tivesse acontecido.
- Nós já não somos mais nós e talvez nunca venhamos a ser nós mesmos, cara – falou-me Luiz depois de longos goles com seus olhos perdidos no verde rubro daquele crepúsculo sensacional.
Parecia que as coisas caminhavam para uma irremediável destruição. Os conceitos estabelecidos, as verdades que nos enfiavam goela abaixo pareciam desprovidas de autenticidade. Tudo soava estranhamente falso e as coisas não estavam caminhando para lugar algum aparentemente agradável. Era como se alguém tivesse derramado vinho sobre o script recém-impresso em uma impressora de jato de tinta. Tudo estava borrado e as cenas seguintes se mesclavam numa macha indecifrável.
- Luiz – retruquei – vai tomar no cu, camarada.
E rimos feitos dois dementes.
Estava havendo uma feira anarquista na Praça do Carmo e Luiz me lançou o convite para irmos lá enquanto ainda restava aqueles goles de cachaça vagabunda no fundo da garrafa. Aceitei de pronto, afinal, pensei que deveria ser algo bastante interessante uma feira do livro anarquista.
Chegando lá o que vi foram diversos jovens, quase todos tão barbudos quanto eu. Diferente do que eu imaginei, os livros estavam sendo comercializados. A feira anarquista não era diferente de qualquer outra feira regida pelo sistema capitalista. Os livros mais procurados eram os que custavam mais, obviamente. Aquilo me deixou frustrado e senti vontade de beber mais ainda. Assim fiz e comprei um imenso copo de cerveja. Luiz bebeu comigo e seguimos para tomarmos umas no Ver-o-Peso.
A noite já ia alta e as putas e bandidinhos de merdas que ocupam quase todo centro histórico de Belém vinham se chegando e nos pedindo dinheiro ou, no caso das putas, nos propondo sexo. Queríamos apenas beber, mas numa esquina qualquer com a Presidente Vargas, alguém nos levou o dinheiro e os cartões de meia passagem. Estamos fodidos e não havia como voltar para nossas casas e o pior de tudo, não havia mais dinheiro para bebidas.
Mesmo assim, subimos em um ônibus. Ao notar nossa situação embriagada, o cobrador mandou que nós pagássemos a passagem. E como estávamos totalmente duros, Luiz resolveu pagar nossas passagens oferecendo um mouse para o irritadíssimo cobrador. O cobrador não aceito a proposta e mandou o motorista parar o ônibus. Recusamo-nos a descer, estão fomos empurrados até a porta de saída e lá ficamos no meio da viagem.
Sem dinheiro e humilhados em público, resolvemos voltar andando. Nossas casas eram longe demais dali para que fossemos bem sucedidos nessa empreitada. Caminhamos por quase uma hora e ainda ali na Avenida Nazaré, despencamos numa calçada e lá nos rendemos. Não havia como seguir e nem como voltar. Era como se fosse nossas vidas aquela situação. Não havia como seguir em frente e não havia como retornar. Toda a nossa vida se resumia aquele instante.
Então eu apalpei meus bolsos e para minha surpresa meu celular ainda estava lá. Liguei para um amigo e expliquei a história. Eram quase duas horas da madrugada quando consegui falar com ele. Então ele veio nos resgatar. Luiz, jogado na sarjeta, não conseguia nem se erguer sozinho. Fui até ele, cambaleando e o ajudei a se por de pé e a entrar no carro.
Seguimos para casa do Naldo. Nosso salvador.
- Álvares que porra de cachaça foi essa que vocês beberam – falou-me Naldo com ar de risos.
- Foiii aaaa daaas meeelhores, caaara! – tentou responder Luiz.
Eu resolvi ficar calado, pois minha memória não conseguia esquecer aquela cena da expulsão do ônibus e de toda aquela arrogância daquele cobrador. Ele não era apenas um simples cobrador, ele era todo um sistema de governo sustentado na coesão, na exploração e na humilhação dos que não possuem dinheiro suficiente para passar a roleta. Eu estava terrivelmente puto e angustiado. 

(Walter Rodrigues).

quinta-feira, 25 de setembro de 2014

RASCUNHOS DE VERSOS A LONGA DISTÂNCIA



O vento gira as folhas sobre a calçada quente.
Alguma coisa de solidão me atravessa.
Perco-me nas horas paradas.
Sem avançar e nem retroceder.
Meu presente está envolvido por pretéritos que me assumem e me consomem em dias infinitos de olhos, sorrisos, beijos, abraços e cheiros...
O que poderia ser se fosse ao invés de não ser?
Mais de quinhentos quilômetros me separam de você.
Seus olhos e seus carinhos me elevam para além do que sou.
O que diabos eu poderia ser eu não sei.
Só sei que você me elevar para além do que eu sou,
do que eu imagino que sou, do que eu um dia possa ser.
Você, você, você que chegou de repente, me envolveu e me fez olhar pra frente.
Onde os anjos esconderam seus segredos, eu encontrei em seus olhos oblíquos castanhos.
Você me atinge a alma de forma intensamente singular.
Só quero lhe amar, amar, amar até que me falte o ar e mesmo assim continuar a amar, amar, amar.
Beethoven bate em meus sentidos aflorando a sua imagem, amor meu, e essa noite já não parece mais tão solitária e vazia.
Quero você aqui comigo.
Ser seu amante, ser seu amigo.
Perder-me dentro de você, ser você até que venha o amanhecer e me faça perceber que o tempo é tudo que nos resta. 
E o que mais nos interessa?
Todos os dias são os meus únicos dias quando acordo.
Será possível viver pensando no amanhã?
O que haverá depois de amanhã?
Nosso amor permanecerá.
Nessa noite de nona sinfonia quero mandar meus abraços
mais apertados e raptar todo o calor que seu corpo exala movimentando toda minha vida para ser junto com sua vida a nossa vida.
Os versos correm soltos a procura de seus beijos.
Como poderia seguir de outra forma?
Onde estiver, amor meu, aqui estou entranhado de você.

(Texto do livro Versos Rascunhos: poemas reunidos de Walter Rodrigues disponível para comprar no site: http://www.isbnfacil.com.br/2014/09/versos-rascunhos-poemas-reunidos-de.html )


segunda-feira, 11 de agosto de 2014

CRÔNICA DE UMA TARDE CHUVOSA



Então ele foi atender o telefonema.  Era a mulher que ele estava já fazia alguns anos. Se ele a amava? Na verdade era difícil acreditar. O que ele esperava dela?  Alguma coisa que ela demonstrasse que lhe fazia falta. Daniel não sabia onde ele estava. E ele queria que alguma boceta com cérebro lhe encontrasse. Ela jamais saberia onde ele estava... Ele estava perdido onde ele não saberia. Os recônditos da alma é algo difícil de sondar. Pois não há mar, não há desertos infinitos e universos idem que nos levem a total compreensão da personalidade humana. 
Uma boceta com cérebro nos faz repensar todo um projeto de vida.  Daniel havia conhecido umas bocetas dessas. Onde ir em situações semelhantes? Um namoro malfadado jamais dará conta disso. Para onde ir e o que fazer? O desespero se instala...
Nem a máquina de escrever com sua presença ilustre ao abrir da porta jamais resumirá o outono desses dias sem sol.
Beethoven com seus dó, ré, mi, fá, só, lá, si jamais reproduzirá a sinfonia de todo um dia como esse...
- Álvares as coisas andam meio fora do lugar – falou-me Daniel com um tom zombeteiro.
- Elas costumam andar sempre assim... – respondi muito calmamente.
- Tu não bebeste todo o vinho, né?
- Ainda tem aqui.
- Acho que vamos precisar de um pouco mais.
- É fato.

E assim avançamos pelas ruas daquele município onde agora eu estava morando. Zona Metropolitana da cidade de Belém. Foda-se! Tudo parecia tão e infinitamente distante do nosso bairro de origem, o Jurunas. Tudo aquilo parecia uma prolongada piada de muito mal gosto. Mas precisávamos tomar umas pela ordem social vigente, pelas crianças que morriam de fome na África, pelo Messias aguardado pelos cristões e judeus, por toda merda que está no início do reto aguardando para se liberta fossa abaixo! A vida era muito gozada. Vivia fodendo e gozando de tudo e de todos. Queria ser uma foda menos fodida às vezes. Mas sempre a maldita acabava gozando de mim. O que Daniel estava querendo naquela noite? Bancar o comedor e inflar mais e mais seu maldito superego? Haveria bebida? Haveria saída? As músicas em espanhol continuavam a tocar eternamente...

(Walter Rodrigues)

quinta-feira, 1 de agosto de 2013

NAQUELE BAR, NAQUELA NOITE DE NATAL

 

Passava um pouco mais da meia-noite e a madrugada escorria lentamente e todos os bares da cidade jaziam fechados. Pelo menos era o que aparentava. Talvez por ser Natal, 25 de dezembro de 2007. Início de terça-feira. E certamente, muitos estariam naquele momento reunido com seus familiares bebendo horrores e trocando presentes com abraços, em sua maioria, falsos e sorrisos idem.
Enquanto isso, Eduardo e Silvio vagavam pelas ruas solitárias à procura de um bar que naquele horário da madrugada estivesse aberto para atender suas almas sedentas de cerveja e música; vida e cor, mas não havia nenhum bar aberto. Não, não desistiriam tão facilmente assim. Continuaram vagando calados e absortos. Relembrando vez ou outra algum fato do passado, mas que ainda soava tão alto em suas vidas: um amor frustrado, uma oportunidade perdida.
E o vinho com as três cervejas que tomaram anteriormente na casa de um amigo começava a abandonar seus corpos. Estavam ficando sóbrios e nenhum bar surgia no horizonte.
No entanto, como todos devem saber: Papai Noel não se esquece de ninguém. Surgi então, como um oásis em meio ao deserto, um belo e agradável bar de mesas de madeira, postas nas calçadas, música de alta qualidade, pessoas bonitas e inteligentes. No menu, bebidas de todos os gêneros. Iluminação febril e uma noite não tão mais hostil.
E assim seguiram bebendo suas cervejas sem que nada de extraordinário acontecesse. Calados e voltados para dentro de si. Por fora pareciam sérios e frios; por dentro eram vulcões em atividade.
Seja como for, a manhã surgiu timidamente por detrás dos edifícios da Avenida 16 de novembro. A mistura de vinho e cerveja, não caiu muito bem a Silvio, que dormia sentado. Eduardo também já tinha dado umas cochiladas anteriormente. Na mesa vizinha pediu-se a conta. Vão-se abraçado um casal de jovens homossexuais, que se beijavam ainda pouco calorosamente.
Eduardo olhou para aquele seu amigo de infância adormecido: a cabeça um pouco inclinada para trás deixando sua boca entreaberta de onde escorria uma fina e prolongada baba do canto esquerdo avançando em direção ao pescoço. Eduardo então pensou no futuro que ainda viria para ambos. E ele não via absolutamente nada de interessante.
Era como se não houvesse saída, um lugar realmente seguro e livre de tudo aquilo que os oprimia e os deprimia. Aquela cidade com aquelas pessoas parecia uma jaula por demais apertada. Era difícil olhar naquelas faces diariamente, pior ainda era ouvir seus pensamentos e suas ideias sobre isso e aquilo outro. Talvez o caminho fosse mudar de cidade, de estado, de país; talvez o caminho fosse mudar de planeta. Eduardo não queria ser um homossexual. Mas ele também não queria um casamento convencional, com filhos e tudo mais. Eduardo não queria ser um universitário e muito menos um assalariado explorado e humilhado. Ele ainda não sabia de porra nenhuma, mas sabia das coisas que ele não poderia fazer, muito embora seu amigo e ele fossem obrigados a fazê-las num futuro bastante próximo. As redes de supermercados da cidade tentariam domar a ambos com seus chicotes poderosos. Silvio se curvaria aos açoites das redes de supermercados por um tempo maior; já Eduardo, acabaria curvado diante de uma universidade infestada de pseudo-intelectuais de merda por um longo tempo.  Isso era desesperador. Não era à toa o motivo de tantos suicídios em nossa sociedade.
Eram agora somente Silvio e Eduardo naquele bar mitológico. A garçonete informa que já iria fechar.
- Ok, minha querida – diz Eduardo muito gentilmente. – Mas você não pode servir só mais uma?
- Não – diz ela guardando as mesas e cadeiras. - Temos que fechar mesmo, meu amor.
- Tudo bem – respondeu ele acordando seu amigo.
- O que foi, Eduardo? – despertou Silvio com os olhos arregalados e assustados. – Que porra, Eduardo! Não tem mais cerveja nesta garrafa! Eu preciso de um gole…
Ainda havia meio copo de cerveja. Silvio bebeu de uma só golada como tinha de ser. Depois pediram a conta, levantaram pesados e desceram a 16 de novembro até a Praça Amazonas. Dali cada um deveria seguir individualmente seu caminho até suas casas.

Despediram-se logo em seguida. Cada um rumou para sua caverna. Cambaleando, em ziguezague pelas ruas. Dormir até meio-dia ou mais enquanto o futuro não chegava valendo.

(Texto e foto: Walter Rodrigues)

domingo, 30 de dezembro de 2012

Belém encharcada - poema


De suas mangueiras gotejantes,
Belém encharcada, aos seus
céus de chumbo, pleno de
chuva, nos agasalhamos no
hermetismo contemplativo de
nosso individualismo coletivo.
Ensimesmados,
sempre desconfiados,
belenenses.
O bem-te-vi tristonho canta solitário.
Cinzento dia na metrópole.
Vento morno,
cheiro de asfalto molhado,
chuva constante,
pensamento distante.

(Walter Rodrigues) 

______________

Referência : 

Walter Rodrigues. “Versos Rascunhos: poemas reunidos”. 1. ed. -  Ananindeua: Itacaiúnas, 2014. 72 p.

segunda-feira, 3 de dezembro de 2012

DE VOLTA A ESCRITA ORGASMÍSCA

por Álvares Rocha

A motivação voltou com as chuvas de dezembro.
Onde eu havia enterrado meu dizer desenfreado?
Onde eu havia enfiado o meu teclado?
Certamente não foi no meu rabo.
Durante tanto tempo a escrita foi a minha mais intima companheira.
Amante, casta e fiel verdadeira.
Volto a escrever furiosamente.
Volto a respirar o bom ar da liberdade de criação.
Novo sangue corre nas minhas veias, bombeando o meu coração.
Ritmo dissonante, vontade louca de gritar:
Quero trepar! Quero trepar! Quero trepar!
Com letras, parágrafos, frases, períodos, oração, pontuação.
Quero gozar com o ato da criação!
Se por caso causo asco a sua refinada erudição
Vá tomar no cu e leve de mim essa versada saudação.

Belém, 02 de dezembro de 2012.